quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Sirene para o Natal

A triste história da adolescente que recebeu vaselina na veia no lugar de soro revela de forma trágica que um simples erro humano pode ser fatal. Um hospital de São Paulo, que tinha a tarefa de socorrer a paciente, seguiu pelo caminho inverso. As embalagens eram idênticas, mas os conteúdos bem diferentes. Já disse o Sábio que “caminhos que parecem certos, mas podem acabar levando para a morte” (Provérbios 14.12). Segundo estatística, a probabilidade de morte decorrente de remédios mal administrados em pacientes hospitalizados é três vezes maior do que as mortes por acidente automobilístico.

Falhas humanas desta natureza estão cada vez mais evidentes quando depende-se da tecnologia para quase tudo nesta vida cibernética. A palavra “cibernética” vem do grego e significa “timoneiro”,  aquele que pilota a embarcação. Hoje é um termo usual para expressar a complicada relação homem-máquina. Além da nociva dependência tecnológica, também nos transformamos em robôs ao fazer as coisas automaticamente – sem nos dar conta dos atos e das consequências. Deve ter sido assim com a enfermeira, também vítima da rotina estressante de um despreparado hospital. Ela não percebeu que injetava na veia da menina a própria morte.

É Advento, tempo para fugir da automação espiritual e refletir mais atentamente sobre o que é soro e o que é vaselina nesta sociedade que virou um grande e confuso hospital. Por isto a voz de João Batista, sempre destacada no púlpito das igrejas: “Arrependam-se dos seus pecados porque o Reino do Céu está perto” (Mateus 3.2). Arrepender-se literalmente no grego é “mudar de mente”. Naquele tempo bíblico como hoje, as pessoas corriam sem saber para onde iam, e injetavam nas veias da alma uma religiosidade viscosa e mortal. Por isto a ordem: “Preparem o caminho para o Senhor passar” (3.3). Igual a ambulância que pede passagem, esta é estridente sirene para o Natal do Deus que se tornou gente a fim de salvar as gentes desenganadas. Graças a Deus que ainda é tempo para dar passagem...

Marcos Schmidt
Pastor luterano   
Igreja Evangélica Luterana do Brasil
Comunidade São Paulo, Novo Hamburgo, RS

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Polícia pacificadora e o Natal

O comandante-geral da PM do Rio garantiu que a população da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão terá um Natal de paz. É uma promessa das armas para o advento do sossego. Lamentavelmente, não existe outro jeito nesta sociedade de Caim. A tranquilidade social sempre dependerá da polícia. Não existe lugarzinho neste mundo cheio de gente, nos morros ou vales, nas favelas ou bairros de luxo, que não dependa das armas para manter a ordem. O polonês Leonard Kaczmarkiewicz, conhecido como “Alemão”, até buscou uma vida sem guerras no Brasil, fugindo dos nazistas na Europa. Comprou terras cariocas, que depois vendeu em lotes para gente que também queria uma vida melhor na cidade maravilhosa. No entanto, a paz neste morro – que leva o apelido do imigrante – agora depende da “polícia pacificadora”. É assim em nosso Estado, cidade, rua. Sem os soldados do bem, os agentes do mal tomam conta.

No entanto, a polícia apenas pode garantir um Natal de paz até onde vai o poder de seu exército. Existe outro Natal e outra paz, que segundo Jesus, o mundo não pode dar (João 14.27). Porque existe outra guerra (Efésios 6.12). Por isto o ponto de interrogação: “Olho para os morros e pergunto: De onde virá o meu socorro?”. O salmista já tinha a resposta: “O meu socorro vem do Senhor que fez o céu e a terra” (Salmo 121.1). Tal certeza existia porque “se o Senhor não proteger a cidade, não adianta nada os guardas ficarem vigiando” (Salmo 127.1). Uma proteção que foi planejada em mínimos detalhes – conforme registrados no Velho Testamento. Cinco séculos antes de sua execução, a profecia prometeu: “As botas barulhentas dos soldados e todas as suas roupas sujas de sangue serão completamente destruídas pelo fogo. Pois já nasceu uma criança, Deus nos mandou um menino que será nosso rei. Ele será chamado de Conselheiro Maravilhoso, Deus Poderoso, Pai Eterno, Príncipe da Paz” (Isaías 9.5,6).

Não tenho dúvidas disto, de que a vitória do bem sobre o mal nos morros do Rio de Janeiro neste primeiro Domingo de Advento, simboliza a chegada da definitiva e permanente paz do Deus que um dia nasceu numa favela.

Marcos Schmidt

Pastor luterano

marsch@terra.com.br

Igreja Evangélica Luterana do Brasil

Comunidade São Paulo, Novo Hamburgo, RS

sábado, 27 de novembro de 2010

Tumulto de Natal

Não consigo deixar de associar a tragédia no festival das águas no Camboja com o tumulto das festas de Natal e Fim de Ano. O que era para celebrar pelo fim da temporada de chuvas, transformou-se num “dilúvio” de gente espremida numa ponte, com centenas de vítimas esmagadas, pisoteadas, afogadas no rio. As imagens são chocantes. Mas porque as pessoas se metem nestes lugares? Eram 2 milhões de gente aglomerada? Tragédias deste tipo já estão anunciadas. Só nos últimos 20 anos aconteceram 16 grandes tumultos parecidos, com um total de 5 mil mortos. Melhor mesmo é ficar em casa, longe destas festas.

Bem melhor se pudéssemos ficar longe deste Natal tumultuado. Longe das correrias, dos engarrafamentos, das filas, da corrida pelos presentes, do estresse... Afastados do perigo de sermos pisoteados pela multidão de compras em várias prestações. Nada contra o comércio. Apenas um alerta do velho Simeão, de que o menino de Belém seria a destruição e a salvação para muita gente (Lucas 2.34). Não é isto que acontece? A festa da Água da Vida (João 4.10) em afogamento e morte? Nem penso na loucura do trânsito, nas bebedeiras e outras inconsequências. Falo do significado desta festividade do Deus encarnado. Coisa que a gente está cansada de ouvir, mas, quando chega este tempo de atravessar a ponte de Belém para um ano abençoado, fica preso e espremido na multidão insana, sem conseguir sair. Por isto, “vida de gado, povo marcado, povo feliz” – canta Zé Ramalho. Ou então, escreve o teólogo: “O Senhor Jesus veio a uma humanidade tão acostumada com a miséria e a desgraça, e feliz numa situação na qual ninguém pode ser feliz – a menos que não esteja certo da cabeça”.

Mas então é Advento, tempo para escapar deste caminho que parece certo, mas que pode acabar levando para a morte (Provérbios 14.12). Tempo de ouvir João Batista: “Preparem o caminho para o Senhor passar” (Mateus 3.3). Pode ser caminho espremido, mas ainda é o período na liturgia da igreja que arruma o Natal através da reflexão bíblica sobre os três “nascimentos” de Jesus: pela mãe Maria, pelas Escrituras Sagradas, e na segunda vinda dele pelo Juízo Final. Por isto não consigo deixar de ver na tragédia do Camboja o tumulto de Natal. Dá vontade de chorar...

Marcos Schmidt
Pastor luterano
Igreja Evangélica Luterana do Brasil
Comunidade São Paulo, Novo Hamburgo, RS

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Dia Nacional de Ação de Graças

Diz o apóstolo Paulo em Colossenses 3.15b: “Sede agradecidos.” Hoje é o Dia Nacional de Ação de Graças. Na verdade, essa é uma data, um motivo festejado em muitas partes do mundo. Começou nos Estados Unidos depois de uma boa colheita, no final do outono. Hoje é uma data muito lembrada e comemorada, especialmente nos Estados Unidos e Canadá. Nessa ocasião é dada uma atenção bem especial para a família e para a religiosidade. No Brasil, em 17/08/1949 o presidente Gaspar Dutra instituiu o Dia Nacional de Ação de Graças, pela Lei nº 781. Em 1966, pela Lei nº 5.110 estabeleceu-se a quarta quinta-feira do mês de novembro para festejar essa data.

Agradecer é um gesto de humildade. Agradecer é um ato de grandeza, digno e honrado. Lamentavelmente o ser humano, em geral, é tardio em agradecer. Rápido para pedir, mas tão esquecido e lerdo para voltar, reconhecer e dizer: Muito obrigado!. E isso vale no campo terreno, como também na sua relação com Deus. A Bíblia nos dá exemplos disso. Numa situação dez leprosos foram pedir ajuda de Jesus, e apenas um voltou para agradecer. No SL 50.15 diz: “Invoca-me no dia da angústia, eu te livrarei”, e aí termina o texto dizendo “e tu me glorificarás.” Muitos fazem o ponto final depois das palavras “eu te livrarei.”

Irmãos em Cristo! Nós temos muitos motivos para agradecer. Na verdade, temos todos os motivos para agradecer. Cada novo dia é uma benção de Deus. Cada passo, cada refeição, o ar que respiramos, a água que tomamos, tudo é graça e misericórdia de Deus. Mas além de todas estas bênçãos terrenas e materiais, temos um presente, uma graça, um gesto de amor que supera a tudo: Deus mandou seu Filho ao mundo para nos salvar. Jesus que deu a sua vida por nós, para que fóssemos reconciliados com o Pai, para que tivéssemos perdão, vida e salvação. Poderia ter presente maior? Poderíamos deixar de agradecer, reconhecer e responder a tamanho amor?

Por isso: “Sede agradecidos!”, não só hoje, não só num dia durante o ano, mas em todos os dias, da manhã até a noite, dia após dia, em todos os momentos, vivamos a gratidão e a alegria de termos um Deus tão maravilhoso e gracioso como o nosso.

Um bom dia de Ação de Graças.

Rev. Egon Kopereck
Presidente da Igreja Evangélica Luterana do Brasil

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

A profecia de Silvio Santos


Agora é hora de alegria, vamos sorrir e cantar. Do mundo não se leva nada, vamos sorrir e cantar. Sílvio Santos vem aí... Quem não conhece esta marchinha? No entanto, o apresentador mais popular do Brasil está vivendo na carne a profecia que “do mundo não se leva nada”. Em dezembro ele completa 80 anos, e recebe um presente de grego – ele que é de origem grega. Um dos negócios dele, o Panamericano, está falido. Este banco usou dinheiro que não tinha como garantia de empréstimo, uma fraude de R$ 2,5 bilhões. Nesta semana Silvio Santos anunciou que vai demitir 40 parentes envolvidos no esquema. Até parece Ali Babá e os 40 ladrões. A lenda conta que Ali Babá, um pobre lenhador árabe, encontrou um tesouro numa caverna, que se abre com as palavras "Abre-te Sésamo". Na história real, as palavras mágicas estavam nos baús de presentes de Natal para crianças, vendidas em prestações, que se transformaram no famoso Baú da Felicidade.
  
Histórias assim ouvimos todos os dias: gente “rica” que é pobre mas vive com aparência de riqueza, fortunas que desaparecem, fraudes, parentes que enganam parentes, empresas familiares que quebram na segunda ou terceira geração, e tantas outras parecidas. São as surpresas dos “baús” deste mundo onde tudo passa. “Nú saí do ventre de minha mãe, e nú voltarei”, queixou-se o sofrido Jó. O rico rei Salomão também sabia que “como entramos neste mundo, assim também saímos, isto é, sem nada” (Eclesiastes 5.15). Por isto, nenhuma surpresa a desventura do Silvio Santos. Bancos e empresas quebram todo o santo dia. Aliás, desconfia-se que outros bancos onde nosso dinheiro está guardado também escondem o jogo num baú repleto de fraudes. 

Por isto a história do Natal, o baú da felicidade sem surpresas desagradáveis. Natal é o inverso do Panamericano, que se fez de rico mas era pobre. No baú da manjedoura, Jesus Cristo que era rico, se tornou pobre para que nós ficássemos ricos por meio da pobreza dele (2 Coríntios 8.9). Ele, num domingo, entrou em Jerusalém e as pessoas cantavam Agora é hora de alegria, vamos sorrir e cantar. Do mundo não se leva nada, vamos sorrir e cantar. Jesus Cristo vem aí... Melhor mesmo as palavras do evangelista: “Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor!” (Marcos 11.9).

Marcos Schmidt
Pastor luterano   
Igreja Evangélica Luterana do Brasil
Comunidade São Paulo, Novo Hamburgo, RS

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Livra-nos da idiotice

Eleição e Finados se juntaram num feriadão, e por uma boa causa. É que o presidente da nação tem a sublime tarefa de retardar o dia dos mortos de cada cidadão. Mesmo que o cemitério seja o destino certo, tanto para um ilustre presidente como para um simples cidadão, todos desejam viver por muito tempo, e viver bem. Por isto, penso que esta famosa foto do afago de Lula em Dilma após a vitória, representa o carinho que os brasileiros desejam, gestos que tragam qualidade de vida para todos.

Mas para isto, o país precisa de bons políticos. Refiro-me aqui ao povo em geral. Ainda não li o livro “Política para não ser idiota” do filósofo Mário Sérgio Cortella, mas assisti a entrevista dele no programa da Maria Braga nesta segunda-feira, quando ele comentou sobre a obra. Achei interessante quando explicou que a palavra idiota vem do grego idiótes, expressão usada na Grécia antiga para designar quem não participava da vida política, considerada atividade nobre. Aliás, foi isto que o apóstolo Paulo – que viveu naquele tempo e lugar – lembrou aos cristãos, conforme Filipenses 1.27, para que não fossem omissos, mas vivessem uma vida política de acordo com o evangelho de Cristo (ele usa o termo grego politeuste).

Certamente, se não quisermos terminar os dias terrenos numa urna mortuária como idiotas, precisamos ser bons e ativos cidadãos não apenas na hora de ir à urna eletrônica. A mesma coisa na igreja. Não basta cumprir os votos no altar e depois esquecer os deveres religiosos na comunidade cristã e na sociedade civil. “Sejam filhos de Deus”, ressalta o apóstolo, “vivendo sem nenhuma culpa no meio de pessoas más” (Filipenses 2.15). E se na política a única forma para ser um bom filho do Brasil é através de uma educação eficaz, na vida cristã só existe um caminho: “Encham a mente de vocês com tudo o que é bom e merece elogios, isto é, tudo o que é verdadeiro, digno, correto, puro, agradável e decente” (Filipenses 4.8).

A presidenta Dilma, na primeira entrevista, disse que deseja honrar o cargo que recebeu. Na verdade, isto deve ser uma meta de cada cidadão, especialmente daquele que reconhece que a vida humana é um voto divino.

Marcos Schmidt
Pastor luterano
Igreja Evangélica Luterana do Brasil
Comunidade São Paulo, Novo Hamburgo, RS

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Fio de ouro

Dilma ou Serra? Independente do resultado neste domingo, as Escrituras afirmam que “nenhuma autoridade existe sem a permissão de Deus” (Romanos 13.1). Isto é questão de fé, logicamente. Uma confiança que afirma que em Deus “vivemos, nos movemos e existimos” (Atos 17.28); uma certeza que sustenta a insignificante contabilidade divina dos fios de cabelos da cabeça, que não caem sem a permissão do Criador". (Lucas 21.18).

Desde aquele dia quando Deus criou os céus e a terra (Gênesis 1.1), há outro fio, invisível, de “ouro”, que segue pelos tempos e atravessa a história humana, e que, mesmo sem a maioria perceber, rege o mundo, governos e pessoas. E se o Rei dos reis foi o “santinho” em destaque nesta corrida presidencial, mesmo depois descartado junto aos restos de campanha, ainda continuará mexendo os pauzinhos. Aliás, isto a gente sempre faz – só lembra de Deus na hora que precisa e depois...

Em todo o caso, governos, por melhores ou piores, deste ou daquele partido, são a mão de Deus, necessários para a ordem e sobrevivência. Pais, mães, patrões, chefes, professores, policiais, enfim, por melhores ou piores, qualquer função existe “porque as autoridades estão a serviço de Deus para o bem” das pessoas (Rm 13.4). O que seria deste planetinha azul sem o comando no lar, na empresa, na escola, no país? Especialmente através do poder público Deus protege e sustenta a família, a vida, a propriedade, a honra e a dignidade do povo, preservando a ordem e a disciplina. Não é por menos a recomendação: “Por isso você deve obedecer às autoridades, não somente por causa do castigo de Deus, mas também porque a sua consciência manda que você faça isso." (Rm 13.5).

Esta certeza – de que este Deus que amou o mundo de tal maneira e que tem o domínio total nas pequenas e grandes coisas – tranquiliza o coração daqueles que dão a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Uma certeza que também faz agir na oração “pelos reis e por todos os outros que têm autoridade, para que possamos viver uma vida calma e pacífica, com dedicação a Deus e respeito aos outros” (1 Timóteo 2.2).

Marcos Schmidt
Pastor luterano
Igreja Evangélica Luterana do Brasil
Comunidade São Paulo, Novo Hamburgo, RS

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Mistura indigesta

A história tem mostrado que misturar religião e política não traz coisa boa. Exemplos não faltam. No próximo 31 de outubro, junto à urna eletrônica, seria oportuno dar um voto de confiança aos conselhos de Lutero. Foi neste dia, em 1517, que ele chamou os seus adversários para um debate público sobre a prática das indulgências – um fraudulento negócio com o perdão de Cristo parecido com a venda do voto. É o início da Reforma Luterana, movimento que traz mudanças globais no cenário político e religioso e a própria separação entre igreja e estado.

Lutero e o povo alemão não tinham o direito de escolher seus governantes – viviam sob o regime imperial. Mas, cumprindo o seu dever pastoral, aconselhou os príncipes a não se intrometerem em assuntos espirituais e os sacerdotes em questões da administração política. Há dois escritos básicos dele, o Magnificat (1521) e Da Autoridade Secular (1523), que expõem com sabedoria uma ética que falta no atual contexto brasileiro. Lembra que é preciso “distinguir cuidadosamente os dois regimes de Deus e deixá-los vigorar – um que torna cristão, o outro que garante a paz civil e combate as obras más”. Ao questionar: “Que são, pois, os sacerdotes e bispos?”, responde: “Seu regime não é de autoridade ou poder, mas de serviço e função”. Já o estado “não pode estender-se ao céu e sobre a alma, mas somente sobre a terra – o convívio dos seres humanos”. Onde existe mistura, o resultado será a ruína do convívio das pessoas, alerta o reformador.

Neste princípio, os estatutos de minha instituição religiosa são claros: “Em obediência ao princípio bíblico da separação entre Igreja e Estado, tanto a IELB (Igreja Evangélica Luterana do Brasil) como as congregações não se envolverão em questões de política partidária”. Por isso o código de ética do pastor em exercício: “Mesmo que deva estar atento aos problemas da sociedade, não quero, enquanto pastor, exercer política partidária”. Isto não sugere omissão e passividade política, mesmo porque, se no pensamento de Lutero “política é o esforço constante e paciente para estabelecer e manter uma ordem social compatível com os valores do cristianismo”, isto só acontece no exercício cristão da cidadania política.

Marcos Schmidt
Pastor luterano
Igreja Evangélica Luterana do Brasil
Comunidade São Paulo, Novo Hamburgo, RS

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

São José – da mina e do Herval

Qual a relação da história dos 33 mineiros soterrados no Chile com a do gaúcho milionário da Mega Sena? Não é só nome São José! Enquanto os chilenos finalmente são libertos da mina de ouro, o brasileiro agora está soterrado sob o peso de milhões em dinheiro. Alguém deve estar pensado: “Este pastor é mesmo bobo”. Concordo! Quem não sonha em ficar rico, viajar mundo afora, ter uma casa com tudo o que tem direito, viver do bom e do melhor. No entanto, afortunado assim não poderia continuar fazendo o que faço, a não ser que inventasse uma mega igreja da prosperidade. Seria um sucesso. Mas daí teria que enterrar toda a minha teologia.

O novo milionário já descobriu a profundidade do seu tesouro. Está comprando imóveis e veículos à vista para trazer os parentes a Porto Alegre e fugir dos vizinhos e amigos. Ele teme os assédios, assaltos e sequestros. Perdeu a tranquilidade. Já os 33 mineiros podem ficar sossegados. Os parentes, amigos, o Chile inteiro, ninguém está interessado no dinheiro deles. Só querem se aproximar para um abraço. Por isto a contradição das euforias – a festa em São José do Herval e a festa na mina de San José. Uma traz um mundo de cobiça, afasta parentes e amigos; a outra devolve o convívio e o carinho dos parentes e amigos.

A gente passa a vida toda sonhando com coisas extraordinárias e gasta boa parte do tempo em busca de uma sorte grande, e esquece que tem nas mãos um tesouro ao céu aberto. Por outro lado, o que adianta ter uma mina de ouro, se ela prende e sufoca? O Senhor Jesus já alertou: “Arranjem bolsas que não se estragam e guardem as suas riquezas no céu, onde elas nunca se acabarão; porque lá os ladrões não podem roubá-las, e as traças não podem destruí-las. Pois onde estiverem as suas riquezas, aí estará o coração de vocês” (Lucas 12.33,34).

E pensando mais, se a previsão do resgate dos mineiros era só para o Natal, então isto tem outra relação. É um presente adiantado que aponta para a história do José em pessoa, ou melhor, para o enteado dele – o próprio Deus e dono de todas as minas, que nasceu e viveu na pobreza desta terra a fim de nos resgatar de um buraco sem fim.

Marcos Schmidt
Pastor luterano
Igreja Evangélica Luterana do Brasil
Comunidade São Paulo, Novo Hamburgo, RS

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Bendito voto

Muita gente não tem liberdade para escolher esposa, marido, profissão, lazer, amigos, religião, governo... Independentemente do fracasso no casamento, no trabalho, nas relações, na fé, na política, se existe a chance para julgar, opinar, expressar, fazer o que se quer e para onde se quer, então, viva o sucesso e viva o fracasso das escolhas de cada um. Que morra o autoritarismo para isto ou aquilo, porque a liberdade é o primordial e supremo desejo do ser humano, e quando lhe é negada, perde-se o sentido da vida.

Contudo, a liberdade tem preço. Ela vale o custo que carrega, mas impõe esforço. E por uma simples razão: ela termina onde começa a do próximo. O meu caminho acaba onde aparece uma rua preferencial – os direitos do outro. “Porque nenhum de nós vive para si mesmo” (Romanos 14.7). É perverso o pensamento pós-moderno, hedonista, que busca o intenso prazer pessoal sem valer-se das consequências. É antidemocrático. O “faça o que estiver no coração” é ditadura do egoísmo. É a tirania do incômodo barulho do vizinho, do lixo jogado na rua, da imprudência no trânsito, da desonestidade na política, da infidelidade dos cônjuges, das falcatruas nos negócios... É a prisão numa mina chilena.

A liberdade está nos genes humano. Está no coração de Deus. Uma autonomia humana até para o bem e para o mal (Gênesis 2.17). A escolha foi errada e deu no que deu, mas foi o primeiro voto da humanidade. Se não fosse a outra e única chance, a morte estaria eternamente ungida. Por isto a santa propaganda eleitoral: “Cristo nos libertou para que sejamos realmente livres. Por isso, continuem firmes como pessoas livres e não se tornem escravos novamente” (Gálatas 5.1).

A respiração da democracia, que oferece “direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (5º artigo da Constituição), nas virtudes e nos defeitos, lembra os desafios de cada um nas pequenas e grandes decisões do dia-a-dia. E se o governo político existe com a permissão divina (Romanos 13.1), então o voto é uma bênção que merece raciocínio e discernimento. Bendito voto!

Marcos Schmidt
Pastor luterano
Igreja Evangélica Luterana do Brasil
Comunidade São Paulo, Novo Hamburgo, RS

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Mãos e dedos da política

Pessoas sem a verdade fazem da religião um meio de enriquecer, diz a Bíblia (1 Timóteo 6.5). Isto a gente vê também na política. Por isto o descrédito. O que é ruim, porque ninguém vive sem estas duas coisas. Martinho Lutero, no escrito “Da autoridade secular”, lembra que igreja e estado são dois regimentos de Deus – a mão direita e a mão esquerda dele. Diz isto num tempo quando as duas ordens viviam de mãos dadas para tirar, no lugar de oferecer. Insistiu na necessidade de distingui-las e relacioná-las corretamente. Sobre a igreja, escreve: “Seu governo não é outra coisa que pregar a palavra de Deus e com ela conduzir os cristãos, e vencer a heresia”. Da política, lembra que a “instituição humana não pode estender-se ao céu e sobre a alma, mas somente sobre a terra, o convívio externo dos seres humanos, onde pessoas podem ver, reconhecer, julgar, opinar, castigar e salvar”.

Este escrito de 1523 deveria ficar na agenda de qualquer político, sobretudo se é cristão. Para não esquecer que, se igreja e estado constituem as mãos divinas, os dedos são humanos, fracos, tortos, sempre prontos para manusear o poder em benefício próprio. Por isso, o que Lutero testemunha sobre os desmandos do seu tempo é bem moderno: “Não conhecem nem fidelidade nem verdade, e portam-se de uma maneira que até ladrões e bandidos considerariam excessiva. Seu regime secular é tão decadente como o dos tiranos eclesiásticos”. Uma triste realidade que o apóstolo Paulo também viu, e por isto alertou os cristãos do império romano: “Vivam de acordo com o evangelho de Cristo” (Filipenses 1.27). “Vivam” é “politeuste” no grego, palavra que aponta para a cidadania responsável.

No pensamento de Lutero, política é o esforço constante e paciente para estabelecer e manter uma ordem social compatível com os valores do cristianismo. Valores prescritos nos Dez Mandamentos, na ética, na moralidade. Reconheceu que a última finalidade do governo é proteger a humanidade do caos. Enquanto o instrumento da igreja é o Evangelho, que transforma corações pelo poder do Espírito Santo, o estado tem nos dedos o poder da lei para a paz social – nos dedos porque as mãos são de Deus.

Marcos Schmidt
Pastor luterano
marsch@terra.com.br
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terça-feira, 21 de setembro de 2010

O Valor de uma vida

*Márlon Hüther Antunes


Nesta época de campanha eleitoral em esfera nacional e estadual, um dos grandes assuntos em pauta é a questão da saúde, direito de todos e dever do Estado, segundo o artigo 196 da Constituição, defendida pelos candidatos como prioridade e necessidade urgente de melhorias. E realmente é preciso! Mas parece que este discurso só é levantado a cada 2 ou 4 anos. O valor da vida e o direito são esquecidos e afogados na burocracia da máquina administrativa. É o caso do adolescente carioca Fabio de Souza Nascimento, que morreu depois de 8 meses de espera por um equipamento médico que custa 520 reais mensais, não foi atendido nem em esfera municipal, estadual ou nacional, porque um atribuiu a responsabilidade ao outro, mesmo com uma ordem judicial para que recebesse o equipamento através do SUS, teve roubado seu sonho de viver.

Quanto vale uma vida? Neste caso praticamente um salário mínimo. Chocamos-nos quando ouvimos que pessoas morrem por mil reais de dívidas, ou acertos de contas com cifras bem maiores. E diante de um fato deste, pouco se sabe ou se faz, pois quantos “Fabinhos” diariamente morrem por falta de seus direitos atendidos em filas de atendimento? Num país onde 75% da população não tem plano de saúde – outro absurdo, pois paga-se duas vezes por um serviço que nem sempre garante qualidade - em Alagoas este número é ainda maior, como fazer valer estes direitos? Omitindo-se? Levando o caso para justiça e acumulando mais prejuízos deficitando ainda outro sistema lento?

Como garantir um bom um sistema de saúde que de fato priorize o valor da vida, sem atacar mais uma vez o bolso do contribuinte? Estará em quem escolhermos para dar valor as nossas vidas, em quem elegermos como nossos representantes.

Enquanto muitos fazem da máquina pública um trampolim para vantagens próprias, longe da realidade geral, se esquecendo dos direitos de quem representam, temos o exemplo daquele que intercede por nós, sabe quanto custa uma vida, viveu como uma pessoa comum, não pensou apenas nos seus: “Porque até o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para salvar muita gente” (Mateus 20.28). Como seria bom se as pessoas fossem vistas, não como meros números, mas conhecidas por seus nomes e necessidades do dia a dia; valorizadas não pelo que tem, mas pelo que são! Os exemplos estão ai, escolha, eleja e confie no seu representante de maneira bem consciente! Comece hoje.

*É Teólogo e Pastor da Igreja Luterana em Maceió - AL.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

O bom e velho casamento

Casar faz bem. O casamento hoje dá mais trabalho, mas traz mais satisfação”. Com esta capa, a última Veja de agosto fez uma matéria que aproveitei num retiro de casais, quando sublinhei a última frase: “Não há melhor antídoto para as agruras da vida moderna, enfim, do que o bom e velho casamento – mas que seja bom, acima de tudo”. É sempre assim, a gente precisa perder para dar valor. Está lá no bom e velho Testamento: “Não é bom que o homem viva sozinho. Vou fazer para ele alguém que o ajude como se fosse a sua outra metade”. Ou, em outra versão: “Far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea”. Alguns usam isto para dizer que a mulher precisa ser submissa ao homem. Se isto é verdade, Deus também precisa ser. Das 20 vezes que “auxiliador” (ézer no hebraico) aparece no Antigo Testamento, 17 se referem a Deus. Idônea, ou “como se fosse a outra metade”, mostra que o Criador coloca alguém ao lado do homem, e vice-versa, para que a submissão no auxílio seja recíproca (Efésios 5.21).

É claro, tem a história do pecado. E daí, o machismo e o feminismo. Mas que tem remédio: “Porque vocês foram batizados para ficarem unidos com Cristo e assim se revestiram com as qualidades do próprio Cristo. Deste modo não existe diferença (...) entre homens e mulheres” (Gálatas 3.26-28); “No entanto, por estarmos unidos no Senhor, nem a mulher é independente do homem, nem o homem é independente da mulher. Porque assim como a mulher foi feita do homem, assim também o homem nasce da mulher. E tudo vem de Deus" (1 Coríntios 11.11,12).

Há 28 anos lido com o aconselhamento matrimonial, e há dezoito, com o próprio matrimônio. Aprendi que as crises e as soluções são todas iguais. E se o casamento conserva a sua força e modernidade no “mundo civilizado”, quando ninguém é mais obrigado a viver de aparência (Veja), então, é a oportunidade para lembrar o velho tripé desta invenção divina: “É por isso que o homem DEIXA o seu pai e a sua mãe para SE UNIR com a sua mulher e os dois SE TORNAM uma só carne” (Gênesis 2.24). Dá trabalho, mas traz satisfação.

Marcos Schmidt
Pastor luterano
Igreja Evangélica Luterana do Brasil
Comunidade São Paulo, Novo Hamburgo, RS

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Câncer, medula e política


Texto: Ernani kufeld (Teólogo e pastor da Igreja Luterana)


Assim como a maioria da população brasileira, nunca me interessei por política e por doação de medula. A falta de interesse se explica pelo fato de que até aqui sempre julguei que nem um nem outro afetam. Ledo engano.

Há um mês foi diagnosticado um caso de leucemia aguda em minha família. O telefone tocou e veio a notícia: seu irmão está com câncer! Foi um choque grande o suficiente para acordar do “berço esplêndido”; do sossego da ideia de que doação de medula é algo que não me diz respeito. O tema que antes nem me interessava tornou-se o mais importante de todos neste último mês. Descobri coisas simples, mas importantes. Por exemplo: que a leucemia tem como característica a proliferação anormal de células (neoplasias malignas) na medula óssea - onde origina-se o sangue - o que pode acabar por suprimir a produção de células normais.

Tratando-se de um problema de produção de células na medula do paciente, sua grande chance está no transplante de medula. Mas é exatamente aí que está o “X” da questão. No Brasil, quando não há doador compatível na família, em média encontra-se 1 doador compatível para cada 100 mil. Aí entramos nós, os antes “deitados em berço esplêndido”, como se não tivéssemos nada com isto.

Doar medula é simples. Retira-se o líquido do osso da bacia do doador, o qual fica em média 24h em observação, recebe alta médica e volta à vida normal. Em questão de duas semanas seu organismo já repôs todo o líquido retirado. Para quem recebe, é a grande chance da vida. Doar medula é um gesto simples, mas de grande amor, que pode ser feito por todos os adultos que possuem entre 18 e 55 anos. Basta procurar um hemocentro e cadastrar-se como doador para o banco nacional de doadores.

E a política? Bem, a política é quase igual à leucemia. Nosso país sofre com a proliferação desenfreada de “neoplastos malignos”, que se multiplicam de forma desenfreada pelo corpo da máquina estatal, onde se produz as leis e se administra o Estado, enquanto nós que achamos que não temos nada com isto, continuamos “deitados em berço esplêndido” vendo o país agonizar.

Graças a Deus temos, na família, um doador compatível para meu irmão. Mas muitos outros pacientes esperam na fila e precisam do nosso gesto de amor. Aliás, o Brasil também precisa do nosso gesto de amor. Nosso voto, quando consciente, será compatível com um futuro melhor. Se vendido ou mal usado, ajudará a produzir mais “neoplastos malignos” que infestarão nosso governo, baixando a imunidade do país, tornando-o vulnerável e sem grande chance.

Câncer, medula e política fazem parte de nosso dia a dia. Nos damos conta disso?

e-mail: ekufeld@gmail.com
MSN: pastorkufeld@msn.com
Publicada: 09/09/2010
Jornal da Cidade (Sergipe)

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Queimar o Alcorão?

Um pastor dos EUA propôs lembrar o ato terrorista sobre as Torres Gêmeas (11 de setembro) queimando o Alcorão - livro sagrado do islamismo.

Será que o seu objetivo era apenas um pouco de fama? Quero crer que não, mas por outro lado parece ser a única explicação. Porque com essa iniciativa ele está “queimando” preceitos da própria fé cristã exposta na Bíblia, está “jogando nas chamas” as instruções de Jesus sobre como reagir diante da maldade, diante do fanatismo de alguns.

No livro de Mateus 5.39 o próprio Senhor Jesus desqualifica o “olho por olho dente por dente” e pede “não se vinguem dos que fazem mal a vocês”. É ali que aparece o texto que instrui a dar a outra face e não revidar.

Assim também está escrito em Romanos 12.19: “Meus queridos irmãos, nunca se vinguem de ninguém; pelo contrário, deixem que seja Deus quem dê o castigo. Pois as Escrituras Sagradas dizem: “Eu me vingarei, eu acertarei contas com eles, diz o Senhor.

Já que a proposta foi queimar um livro considerado Sagrado por eles, permitam-me literalmente citar mais textos da Bíblia: “Tomem cuidado para que ninguém pague o mal com o mal. Pelo contrário, procurem em todas as ocasiões fazer o bem uns aos outros e também aos que não são irmãos na fé". (1 Ts 5.15). E ainda: “Não paguem ofensa com ofensa. Pelo contrário, paguem a ofensa com uma bênção porque, quando Deus os chamou, ele prometeu dar uma bênção a vocês" (1 Pe 3.9).

Tomara que o referido pastor pense um pouco mais e desista de tal proposta. Que ele “queime” seus neurônios refletindo no amor e na misericórdia daquele que morreu na cruz e suplicou que o Pai Celeste perdoasse os que lhe crucificaram. Pois é somente com os neurônios queimados e com os corações aquecidos pelas chamas do amor que vem do Espírito Santo, que poderemos agir e reagir com a mente e o coração de Cristo.

Então a justiça e a paz se beijarão (Salmo 85.10).

Pastor Ismar Pinz
Comunidade Cristo Redentor
Três Vendas – Pelotas, RS

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Lições no Iraque

Quando os Estados Unidos invadiram o Iraque em 2003, busquei na parábola do joio a sabedoria de Jesus para dizer que George Bush cometia um grande erro. Foi no artigo “o joio e a guerra”, editado no Diário Popular de Pelotas. Na famosa história, os empregados perguntam ao patrão: “O senhor quer que arranquemos o joio?” A resposta vem logo: “Não, porque quando vocês forem tirar o joio, poderão arrancar também o trigo” (Mateus 13.29). Sete anos depois os soldados americanos deixam o Iraque, e nas areias do deserto, o trigo queimado junto ao joio – a vida ceifada de 100 mil civis, 13 mil soldados iraquianos, 4 mil e 446 soldados americanos, além de 40 mil feridos e um rastro de destruição e de incertezas.

Vejo algo semelhante acontecendo no âmbito religioso, numa guerra entre a moralidade e a imoralidade, entre a justiça e a iniquidade. Em meio às ameaças, o grande perigo é invadir o território do outro com armas humanas e truculentas. Igual à espada de Pedro que arranca a orelha do soldado. “Você não sabe que, se eu pedisse ajuda ao meu Pai, ele me mandaria agora mesmo doze exércitos de anjos?” (Mateus 26.53). As palavras do Senhor deveriam acalmar a ânimo dos discípulos, que, no anseio de resguardar a ordem moral, podem desprezar o poder do Evangelho. A grande missão da igreja sempre foi evangelizar, e não moralizar. Diante disto, a parábola mereceu explicação de quem a proferiu: “Quem semeia a boa semente é o Filho do Homem. O terreno é o mundo. A boa semente são as pessoas que pertencem ao Reino, e o joio, as que pertencem a Satanás. O inimigo que semeia o joio é o próprio Diabo. A colheita é o fim dos tempos, e os que fazem a colheita são os anjos” (Mateus 13.37-39). Portanto, basta ao discípulo ser a boa semente. Que germine, cresça e frutifique. E a colheita? Esta será feita pelos anjos...

Separar o joio do trigo antes da hora é colher a injustiça no lugar da justiça, o ódio no lugar do amor, a lei no lugar do evangelho. É uma volta parecida com a dos soldados americanos.

Marcos Schmidt
Pastor luterano
Igreja Evangélica Luterana do Brasil
Comunidade São Paulo, Novo Hamburgo, RS

terça-feira, 31 de agosto de 2010

GPS do céu

Uma pesquisa na Inglaterra confirma o que já sei por mim: os homens dirigem cerca de 440 km a mais por ano que as mulheres porque não pedem informações. A pesquisa foi realizada com mil motoristas, e mostrou que 74% das mulheres param a fim de pedir informações, enquanto que 37% dos homens não. Preciso admitir que sou um desses que não se dobra quando está perdido. A minha mulher fica braba comigo. Só depois de alguns litros de combustível em vão é que obedeço aos insistentes pedidos dela.

Por que a gente é assim, tão teimoso? Acho que é por isso que tem mais mulher na igreja do que homem. Igreja é lugar onde a gente estaciona e pede ajuda. Para fazer isto, é preciso reconhecer que se meteu em lugar desconhecido, e sozinho não vai encontrar o caminho certo. Este foi o problema do rei Davi. Só depois de gastar todo o tanque, confessou: “Ó Senhor, eu já não sou orgulhoso (...) Não vou mais atrás de coisas grandes e extraordinárias, que estão fora do meu alcance” (Salmo 131). A triste história deste motorista na Bíblia nos serve de lição (2 Samuel 11 e 12). Por isso também as suas palavras no Salmo 32 (8,9): “O Senhor Deus me disse: Eu lhe ensinarei o caminho por onde você deve ir; eu vou guiá-lo e orientá-lo. Não seja uma pessoa sem juízo como o cavalo ou a mula, que precisam ser guiados com cabresto e rédeas para que obedeçam”.

Jesus insistiu muito com os arrogantes fariseus para que estacionassem o carro e pedissem orientação. A palavra “fariseu” vem do hebraico e significa “santo”, alguém separado dos outros. Eles se achavam os tais. Um dia Jesus lhes disse: “Ai de vocês, mestres da Lei! Pois guardam a chave que abre a porta da casa da Sabedoria. E nem vocês mesmos entram, nem deixam os outros entrarem” (Lucas 11.52). Hoje Jesus diria: Vocês têm a chave do carro, mas nem vocês nem os caroneiros chegam ao destino certo.

Tomé era homem e cabeça-dura, mesmo assim humilhou-se e perguntou: Como podemos saber o caminho? Jesus respondeu prontamente: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida, ninguém pode chegar até o Pai a não ser por mim” (João 14.6). E ele atendeu a sugestão!

Marcos Schmidt
Pastor luterano
Igreja Evangélica Luterana do Brasil
Comunidade São Paulo, Novo Hamburgo, RS

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Pavio curto

*Márlon Hüther Antunes


A cada dia se corre mais! Exemplo disso são os carros potentes e cada vez mais confortáveis, com seus vidros escuros e fechados, que impressionam qualquer um. Enquanto se voa baixo com o desejo de chegar logo, o grande número de veículos congestiona a paciência de muitos. Especialmente nas capitais o trânsito tem se tornado o grande vilão. A facilidade, conforto e tecnologia que deveriam trazer uma melhor qualidade de vida, tem tornado as pessoas mais apressadas, agitadas, estressadas e com o pavio curto.

Vive-se a geração “Fast food”, não se sabe esperar, não se suporta contrariedade, deseja-se tudo para ontem; o culpado sempre é o outro. Um fato que aponta para esta realidade é o número de crimes violentos e sem motivos que tem aumentado. Casos como os relatados há poucos dias do jovem de 16 anos que esbarrou em uma mulher dentro do ônibus em Nova Iguaçu-RJ e acabou assassinado a mando de um homem dentro do próprio ônibus que tomou a dores da mulher; como o igualmente triste caso do pai, que no dia dos pais retornava com a família para casa, quando foi assassinado por causa de uma pequena batida num outro carro em São Paulo.

Quando Jesus em Mateus 24 sentou-se para instruir seus discípulos, sobre o futuro , falou de dias piores, de fatos que parecem cada vez mais atuais: enganação, guerras, fome, terremotos, ódio, escândalos e por fim a frieza no coração das pessoas.

Estas primeiras dores antes do parto, conforme ditas por Cristo, apontam para uma realidade e sociedade cada vez mais prestes a explodir, beirando a morte, sob pressão. Hoje mais do que nunca, é preciso correr menos e recuperar alguns valores humanos, “afinal, será que a vida não é mais importante do que a comida? E será que o corpo não é mais importante do que as roupas?” (Mateus 6.24).

Não perca sua paciência, não deixe seu fardo se acumular e congestionar sua vida. Exerça o que há muito se perdeu: respeito, tolerância, reconhecimento do erro. “Venham a mim, todos vocês que estão cansados de carregar as suas pesadas cargas, e eu lhes darei descanso” (Mateus 11.28). Isso envolve sair da zona de conforto, mas traz ótimos benefícios ao coração, à família, enfim, a todos.

Para não perder a paciência, quem sabe seja necessário sair um pouco mais cedo, sair na frente. Jesus saiu na frente deixando uma receita bem simples e duradoura: “Eu digo isso para que, por estarem unidos comigo, vocês tenham paz. No mundo vocês vão sofrer; mas tenham coragem. Eu venci o mundo” (João 16.33). A coragem aqui não é para banalização da violência, resultado de uma pressão psicológica da vida, mas é o ponto de partida, para não se queimar com pavio curto.

*Teólogo e Pastor da Igreja Luterana em Maceió – AL.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

O socorro vem de cima

Os mineiros soterrados numa mina no Chile serão resgatados no Natal. Eles não podem fazer nada, a não ser confiar no plano de ajuda das pessoas de fora, e aguardar. Neste tempo de espera, há um meio de contato entre o céu e o fundo da terra – um cano por onde enviam água, alimento, oxigênio, remédios, e mensagens de esperança. É a salvação que vem de cima. Enquanto isto, os mineiros têm um enorme desafio nesse advento. Precisam alimentar a esperança, conservar o ritmo de sono e manter o grupo unido. A boa notícia é que, juntos, as chances são maiores. Se um fraquejar, os outros ajudam. A pessoa sozinha acaba ficando desesperada.

Qualquer semelhança com outra história é pura coincidência. Ou não? Em vários detalhes, o resgate desses homens lembra o maior de todos. A própria euforia da descoberta que estão vivos, estampada no rosto dos parentes, na comemoração do país inteiro, lembra a alegria nos céus. Nesta hora vem à memória as parábolas dos “perdidos” em Lucas 15 – da ovelha, da moeda e do filho – onde o evangelista destaca as palavras de Jesus sobre a reação da mulher ao encontrar a moeda: “Pois eu digo a vocês que assim também os anjos de Deus se alegrarão”.

Mas fico imaginando a situação desses mineiros, enterrados vivos a 700 metros, num minúsculo ambiente úmido, quente e sem luz. Eles ainda não foram notificados sobre os quatro meses que terão de aguardar. Por isto, além das condições físicas, o equilíbrio psicológico é fundamental. Um controle que dependerá da esperança em sair do buraco. Eles precisam olhar para cima. E conversar, cantar, animar-se mutuamente. Li numa reportagem a respeito, que em situações extremas desse tipo, os desentendimentos e confusão são comuns. É necessário manter o grupo unido e coeso num só objetivo: esperar o resgate de cima.

Um dos mineiros soterrados é Franklin Lobos, que foi jogador pela seleção chilena de futebol. A filha dele preparou uma longa carta, afirmando que o pai terá todo o tempo do mundo para lê-la. É outro detalhe parecido quando o salmista escreve: “Lâmpada para os meus pés é a tua palavra, e luz para os meus caminhos” (119.105). Em todo o caso, quando os mineiros forem resgatados, então será Natal e eles terão dois grandes motivos para festejar.

Marcos Schmidt
Pastor luterano
Igreja Evangélica Luterana do Brasil
Comunidade São Paulo, Novo Hamburgo, RS

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Jesus e o apedrejamento

- O que o senhor diz sobre isto? A pergunta dos fariseus era para “pegar” Jesus, quando o arrastaram até a presença dele uma mulher flagrada em adultério. Conforme a lei, ela deveria ser apedrejada até a morte. “Mas ele se abaixou e começou a escrever no chão com o dedo” (João 8.6). Eles insistiram na pergunta. Jesus se levantou e disse a eles: - Quem de vocês estiver sem pecado, que seja o primeiro a atirar uma pedra nesta mulher! Depois, abaixou-se outra vez e continuou a escrever no chão. É o único relato nos Evangelhos de que Jesus escreveu algo. Aliás, de toda a Bíblia, a única parte que Deus redigiu de próprio punho são os Dez Mandamentos, entregues a Moisés. O restante foi ditado por Deus e escrito pelas mãos dos profetas e evangelistas – a doutrina da inspiração divina. Intrigante este fato de Deus não permitir que a santa lei fosse originalmente escrita por um ser mortal. E as palavras de Jesus no chão? Quais foram? O evangelista não diz. Penso que Jesus, o Deus encarnado, escreveu algo que o homem também não poderia redigir por si mesmo. Creio que ele desenhou um coração e no meio uma cruz. Sobre isto, alguém disse: “Jesus escreveu os seus pensamentos divinos no pó, mas os homens desejam que os seus pensamentos fiquem gravados no mármore”.

Diz o Evangelho que “quando ouviram isto, todos foram embora, um por um, começando pelos mais velhos”. Os comentaristas explicam: “Os mais idosos, naturalmente, lembraram-se do maior número de pecados”. No final, só sobrou o Santo e a pecadora. Então Jesus se levantou e disse: - Mulher, onde estão eles? Não ficou ninguém para condenar você? – Ninguém, senhor, respondeu ela. Jesus disse: - Pois eu também não condeno você. Vá e não peque mais.

O atual apedrejamento de adúlteros em alguns países islâmicos recomenda até mesmo o tamanho das pedras: “Não devem ser tão grandes para não provocar morte imediata, mas também não devem ser tão pequenas”. Qual o tamanho das pedras do nosso juízo religioso e moralista? Que tenha a medida certa, perfeita, santa. Ou então, que elas permaneçam junto ao pó de nossa própria miséria. Só assim ouviremos a resposta do “o que o Senhor diz sobre isto?”: Eu vim para salvar o mundo, não para julgá-lo (João 3.17).

Marcos Schmidt
Pastor luterano
Igreja Evangélica Luterana do Brasil
Comunidade São Paulo, Novo Hamburgo, RS

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Na garganta do diabo

Tinha lá meus 10 anos, e está bem gravado na memória. Levei um puxão de orelhas bem forte do meu pai ao chegar em casa, feliz da vida, por ter encontrado um maço de dinheiro na rua. Parte dele já tinha gasto com balas e chicletes. Outra vez fiquei de castigo no recreio escolar, e tive que escrever cem vezes no quadro negro “não devo roubar as bergamotas (tangerina) do vizinho”. “Eduque a criança no caminho em que deve andar e até o fim da vida não se desviará dele” (Provérbios 22.6), avisa o texto sagrado. Será que esses vereadores aprenderam a lição “não roubar” quando crianças? Se lhes foi ensinado, os pais e professores deles devem agora estar extremamente envergonhados.

Lutero, no Catecismo Maior (1529), ao sugerir que o roubo, além de imoral, é um problema cultural, aconselha “inculcar o mandamento divino à gente moça, para que se acautelem e não sigam a velha e desenfreada multidão”. Falando à igreja, diz que a “nossa responsabilidade apenas é instruir e repreender com a palavra de Deus”. Mas reconhece que para isto “requerem-se príncipes e magistrados que tenham olhos e ânimo para estabelecer e manter ordem”. Um baita problema quando aquele que faz e executa as leis, que cuida dos bens públicos, é o próprio larápio. Uma praga em nossos municípios, estados, país.

Sem dúvida, honestidade é um princípio moral que precisa ser incutido na infância. Depois só mesmo a polícia. Mas outro empecilho quando “os juízes desonestos se vendem por dinheiro e por isso são injustos nas suas sentenças” (Provérbios 17.23). No entanto, para uma árvore que nasce torta e cresce torta ainda resta o corte profundo na raiz. À exemplo do desonesto Zaqueu, o chefe dos cobradores de impostos, visitado por Jesus (Lucas 19.1-10). Esse publicano parou de “fazer turismo com dinheiro público” após um cursinho presencial com Jesus. O resultado foi a decisão de entregar metade dos bens aos pobres e devolver quatro vezes mais do que havia roubado.

Nesta terça, no Jornal do Almoço, o flagrado presidente da Câmara de Triunfo fez o sinal da cruz antes de iniciar a sessão. Milagre de Zaqueu ou outra fachada? Pois ainda é tempo dessa turma mudar de vida, e no lugar de admirar a Garganta do Diabo nas Cataratas, atender a voz de Deus que ordena “não furtarás”.

Marcos Schmidt
Pastor luterano
Igreja Evangélica Luterana do Brasil
Comunidade São Paulo, Novo Hamburgo, RS

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Pai meu que está na terra

Está virando rotina histórias como a desse pai que assassinou o filho por causa de um prêmio da Mega-Sena em Cuiabá, da mãe francesa que matou 8 filhos recém-nascidos. Isto não choca mais. Nem a matéria no Fantástico, domingo passado, onde revelou que uma em cada cinco mulheres aos 40 anos já fez aborto no Brasil, ou seja, 5 milhões e 300 mil mulheres. Aliás, qual a diferença em matar uma criança pré-nascida de uma criança recém-nascida?

Apesar de tudo, o normal ainda é uma mãe e um pai proteger o filho, no ventre ou fora dele. Uma tarefa que sempre foi mais do pai, o provedor da família, aquele com o braço mais forte, que vai à frente e defende dos predadores. Mas também uma realidade que já não é tão comum – ou pela ausência física do pai (o censo do IBGE mostrará os números exatos), ou pela presença agressora e nociva do pai (o pai está entre o principal agressor contra crianças segundo constatação dos Conselhos Tutelares).

Por isto, como fica a pergunta de Jesus: “Por acaso algum de vocês, que é pai, será capaz de dar uma pedra ao seu filho, quando ele pede pão?” (Mateus 7.9) Diz isto, para tranquilizar sobre os cuidados paternais de Deus: “Vocês, mesmo sendo maus, sabem dar coisas boas aos seus filhos. Quanto mais o Pai, que está no céu, dará coisas boas aos que lhe pedirem” (7.11). Um pouco antes Jesus já tinha ensinado a oração do “Pai Nosso” – que segundo explicação de Lutero, “Deus quer atrair-nos carinhosamente com essas palavras, para cremos que ele é o nosso verdadeiro Pai e nós, os seus verdadeiros filhos”. Mas, como fica esta imagem de Deus, nesse referencial “pai”? Obviamente, prejudicada. Por isto o primeiro pedido nessa oração: “Santificado seja o teu nome”. Isto é: “Ó Deus, me ajude a ser um bom pai para que os meus filhos possam crer que tu és um bom Pai”.

E sendo sincero, nem precisa ser um agressor ou assassino para ser um mau pai. Basta ser um “pai que está na terra”, com a imagem de Adão. Eis a razão do quinto pedido: “E perdoa as nossas ofensas”. Felizmente aquele que ensinou essa oração, também mostrou o caminho para ser pai: “Quem ouve e pratica os meus ensinos é como um homem sábio que construiu a sua casa na rocha” (Mateus 7.24).

Marcos Schmidt
Pastor luterano
Igreja Evangélica Luterana do Brasil
Comunidade São Paulo, Novo Hamburgo, RS