quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Bendito voto

Muita gente não tem liberdade para escolher esposa, marido, profissão, lazer, amigos, religião, governo... Independentemente do fracasso no casamento, no trabalho, nas relações, na fé, na política, se existe a chance para julgar, opinar, expressar, fazer o que se quer e para onde se quer, então, viva o sucesso e viva o fracasso das escolhas de cada um. Que morra o autoritarismo para isto ou aquilo, porque a liberdade é o primordial e supremo desejo do ser humano, e quando lhe é negada, perde-se o sentido da vida.

Contudo, a liberdade tem preço. Ela vale o custo que carrega, mas impõe esforço. E por uma simples razão: ela termina onde começa a do próximo. O meu caminho acaba onde aparece uma rua preferencial – os direitos do outro. “Porque nenhum de nós vive para si mesmo” (Romanos 14.7). É perverso o pensamento pós-moderno, hedonista, que busca o intenso prazer pessoal sem valer-se das consequências. É antidemocrático. O “faça o que estiver no coração” é ditadura do egoísmo. É a tirania do incômodo barulho do vizinho, do lixo jogado na rua, da imprudência no trânsito, da desonestidade na política, da infidelidade dos cônjuges, das falcatruas nos negócios... É a prisão numa mina chilena.

A liberdade está nos genes humano. Está no coração de Deus. Uma autonomia humana até para o bem e para o mal (Gênesis 2.17). A escolha foi errada e deu no que deu, mas foi o primeiro voto da humanidade. Se não fosse a outra e única chance, a morte estaria eternamente ungida. Por isto a santa propaganda eleitoral: “Cristo nos libertou para que sejamos realmente livres. Por isso, continuem firmes como pessoas livres e não se tornem escravos novamente” (Gálatas 5.1).

A respiração da democracia, que oferece “direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (5º artigo da Constituição), nas virtudes e nos defeitos, lembra os desafios de cada um nas pequenas e grandes decisões do dia-a-dia. E se o governo político existe com a permissão divina (Romanos 13.1), então o voto é uma bênção que merece raciocínio e discernimento. Bendito voto!

Marcos Schmidt
Pastor luterano
Igreja Evangélica Luterana do Brasil
Comunidade São Paulo, Novo Hamburgo, RS

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Mãos e dedos da política

Pessoas sem a verdade fazem da religião um meio de enriquecer, diz a Bíblia (1 Timóteo 6.5). Isto a gente vê também na política. Por isto o descrédito. O que é ruim, porque ninguém vive sem estas duas coisas. Martinho Lutero, no escrito “Da autoridade secular”, lembra que igreja e estado são dois regimentos de Deus – a mão direita e a mão esquerda dele. Diz isto num tempo quando as duas ordens viviam de mãos dadas para tirar, no lugar de oferecer. Insistiu na necessidade de distingui-las e relacioná-las corretamente. Sobre a igreja, escreve: “Seu governo não é outra coisa que pregar a palavra de Deus e com ela conduzir os cristãos, e vencer a heresia”. Da política, lembra que a “instituição humana não pode estender-se ao céu e sobre a alma, mas somente sobre a terra, o convívio externo dos seres humanos, onde pessoas podem ver, reconhecer, julgar, opinar, castigar e salvar”.

Este escrito de 1523 deveria ficar na agenda de qualquer político, sobretudo se é cristão. Para não esquecer que, se igreja e estado constituem as mãos divinas, os dedos são humanos, fracos, tortos, sempre prontos para manusear o poder em benefício próprio. Por isso, o que Lutero testemunha sobre os desmandos do seu tempo é bem moderno: “Não conhecem nem fidelidade nem verdade, e portam-se de uma maneira que até ladrões e bandidos considerariam excessiva. Seu regime secular é tão decadente como o dos tiranos eclesiásticos”. Uma triste realidade que o apóstolo Paulo também viu, e por isto alertou os cristãos do império romano: “Vivam de acordo com o evangelho de Cristo” (Filipenses 1.27). “Vivam” é “politeuste” no grego, palavra que aponta para a cidadania responsável.

No pensamento de Lutero, política é o esforço constante e paciente para estabelecer e manter uma ordem social compatível com os valores do cristianismo. Valores prescritos nos Dez Mandamentos, na ética, na moralidade. Reconheceu que a última finalidade do governo é proteger a humanidade do caos. Enquanto o instrumento da igreja é o Evangelho, que transforma corações pelo poder do Espírito Santo, o estado tem nos dedos o poder da lei para a paz social – nos dedos porque as mãos são de Deus.

Marcos Schmidt
Pastor luterano
marsch@terra.com.br
Igreja Evangélica Luterana do Brasil
Comunidade São Paulo, Novo Hamburgo, RS

terça-feira, 21 de setembro de 2010

O Valor de uma vida

*Márlon Hüther Antunes


Nesta época de campanha eleitoral em esfera nacional e estadual, um dos grandes assuntos em pauta é a questão da saúde, direito de todos e dever do Estado, segundo o artigo 196 da Constituição, defendida pelos candidatos como prioridade e necessidade urgente de melhorias. E realmente é preciso! Mas parece que este discurso só é levantado a cada 2 ou 4 anos. O valor da vida e o direito são esquecidos e afogados na burocracia da máquina administrativa. É o caso do adolescente carioca Fabio de Souza Nascimento, que morreu depois de 8 meses de espera por um equipamento médico que custa 520 reais mensais, não foi atendido nem em esfera municipal, estadual ou nacional, porque um atribuiu a responsabilidade ao outro, mesmo com uma ordem judicial para que recebesse o equipamento através do SUS, teve roubado seu sonho de viver.

Quanto vale uma vida? Neste caso praticamente um salário mínimo. Chocamos-nos quando ouvimos que pessoas morrem por mil reais de dívidas, ou acertos de contas com cifras bem maiores. E diante de um fato deste, pouco se sabe ou se faz, pois quantos “Fabinhos” diariamente morrem por falta de seus direitos atendidos em filas de atendimento? Num país onde 75% da população não tem plano de saúde – outro absurdo, pois paga-se duas vezes por um serviço que nem sempre garante qualidade - em Alagoas este número é ainda maior, como fazer valer estes direitos? Omitindo-se? Levando o caso para justiça e acumulando mais prejuízos deficitando ainda outro sistema lento?

Como garantir um bom um sistema de saúde que de fato priorize o valor da vida, sem atacar mais uma vez o bolso do contribuinte? Estará em quem escolhermos para dar valor as nossas vidas, em quem elegermos como nossos representantes.

Enquanto muitos fazem da máquina pública um trampolim para vantagens próprias, longe da realidade geral, se esquecendo dos direitos de quem representam, temos o exemplo daquele que intercede por nós, sabe quanto custa uma vida, viveu como uma pessoa comum, não pensou apenas nos seus: “Porque até o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para salvar muita gente” (Mateus 20.28). Como seria bom se as pessoas fossem vistas, não como meros números, mas conhecidas por seus nomes e necessidades do dia a dia; valorizadas não pelo que tem, mas pelo que são! Os exemplos estão ai, escolha, eleja e confie no seu representante de maneira bem consciente! Comece hoje.

*É Teólogo e Pastor da Igreja Luterana em Maceió - AL.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

O bom e velho casamento

Casar faz bem. O casamento hoje dá mais trabalho, mas traz mais satisfação”. Com esta capa, a última Veja de agosto fez uma matéria que aproveitei num retiro de casais, quando sublinhei a última frase: “Não há melhor antídoto para as agruras da vida moderna, enfim, do que o bom e velho casamento – mas que seja bom, acima de tudo”. É sempre assim, a gente precisa perder para dar valor. Está lá no bom e velho Testamento: “Não é bom que o homem viva sozinho. Vou fazer para ele alguém que o ajude como se fosse a sua outra metade”. Ou, em outra versão: “Far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea”. Alguns usam isto para dizer que a mulher precisa ser submissa ao homem. Se isto é verdade, Deus também precisa ser. Das 20 vezes que “auxiliador” (ézer no hebraico) aparece no Antigo Testamento, 17 se referem a Deus. Idônea, ou “como se fosse a outra metade”, mostra que o Criador coloca alguém ao lado do homem, e vice-versa, para que a submissão no auxílio seja recíproca (Efésios 5.21).

É claro, tem a história do pecado. E daí, o machismo e o feminismo. Mas que tem remédio: “Porque vocês foram batizados para ficarem unidos com Cristo e assim se revestiram com as qualidades do próprio Cristo. Deste modo não existe diferença (...) entre homens e mulheres” (Gálatas 3.26-28); “No entanto, por estarmos unidos no Senhor, nem a mulher é independente do homem, nem o homem é independente da mulher. Porque assim como a mulher foi feita do homem, assim também o homem nasce da mulher. E tudo vem de Deus" (1 Coríntios 11.11,12).

Há 28 anos lido com o aconselhamento matrimonial, e há dezoito, com o próprio matrimônio. Aprendi que as crises e as soluções são todas iguais. E se o casamento conserva a sua força e modernidade no “mundo civilizado”, quando ninguém é mais obrigado a viver de aparência (Veja), então, é a oportunidade para lembrar o velho tripé desta invenção divina: “É por isso que o homem DEIXA o seu pai e a sua mãe para SE UNIR com a sua mulher e os dois SE TORNAM uma só carne” (Gênesis 2.24). Dá trabalho, mas traz satisfação.

Marcos Schmidt
Pastor luterano
Igreja Evangélica Luterana do Brasil
Comunidade São Paulo, Novo Hamburgo, RS

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Câncer, medula e política


Texto: Ernani kufeld (Teólogo e pastor da Igreja Luterana)


Assim como a maioria da população brasileira, nunca me interessei por política e por doação de medula. A falta de interesse se explica pelo fato de que até aqui sempre julguei que nem um nem outro afetam. Ledo engano.

Há um mês foi diagnosticado um caso de leucemia aguda em minha família. O telefone tocou e veio a notícia: seu irmão está com câncer! Foi um choque grande o suficiente para acordar do “berço esplêndido”; do sossego da ideia de que doação de medula é algo que não me diz respeito. O tema que antes nem me interessava tornou-se o mais importante de todos neste último mês. Descobri coisas simples, mas importantes. Por exemplo: que a leucemia tem como característica a proliferação anormal de células (neoplasias malignas) na medula óssea - onde origina-se o sangue - o que pode acabar por suprimir a produção de células normais.

Tratando-se de um problema de produção de células na medula do paciente, sua grande chance está no transplante de medula. Mas é exatamente aí que está o “X” da questão. No Brasil, quando não há doador compatível na família, em média encontra-se 1 doador compatível para cada 100 mil. Aí entramos nós, os antes “deitados em berço esplêndido”, como se não tivéssemos nada com isto.

Doar medula é simples. Retira-se o líquido do osso da bacia do doador, o qual fica em média 24h em observação, recebe alta médica e volta à vida normal. Em questão de duas semanas seu organismo já repôs todo o líquido retirado. Para quem recebe, é a grande chance da vida. Doar medula é um gesto simples, mas de grande amor, que pode ser feito por todos os adultos que possuem entre 18 e 55 anos. Basta procurar um hemocentro e cadastrar-se como doador para o banco nacional de doadores.

E a política? Bem, a política é quase igual à leucemia. Nosso país sofre com a proliferação desenfreada de “neoplastos malignos”, que se multiplicam de forma desenfreada pelo corpo da máquina estatal, onde se produz as leis e se administra o Estado, enquanto nós que achamos que não temos nada com isto, continuamos “deitados em berço esplêndido” vendo o país agonizar.

Graças a Deus temos, na família, um doador compatível para meu irmão. Mas muitos outros pacientes esperam na fila e precisam do nosso gesto de amor. Aliás, o Brasil também precisa do nosso gesto de amor. Nosso voto, quando consciente, será compatível com um futuro melhor. Se vendido ou mal usado, ajudará a produzir mais “neoplastos malignos” que infestarão nosso governo, baixando a imunidade do país, tornando-o vulnerável e sem grande chance.

Câncer, medula e política fazem parte de nosso dia a dia. Nos damos conta disso?

e-mail: ekufeld@gmail.com
MSN: pastorkufeld@msn.com
Publicada: 09/09/2010
Jornal da Cidade (Sergipe)

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Queimar o Alcorão?

Um pastor dos EUA propôs lembrar o ato terrorista sobre as Torres Gêmeas (11 de setembro) queimando o Alcorão - livro sagrado do islamismo.

Será que o seu objetivo era apenas um pouco de fama? Quero crer que não, mas por outro lado parece ser a única explicação. Porque com essa iniciativa ele está “queimando” preceitos da própria fé cristã exposta na Bíblia, está “jogando nas chamas” as instruções de Jesus sobre como reagir diante da maldade, diante do fanatismo de alguns.

No livro de Mateus 5.39 o próprio Senhor Jesus desqualifica o “olho por olho dente por dente” e pede “não se vinguem dos que fazem mal a vocês”. É ali que aparece o texto que instrui a dar a outra face e não revidar.

Assim também está escrito em Romanos 12.19: “Meus queridos irmãos, nunca se vinguem de ninguém; pelo contrário, deixem que seja Deus quem dê o castigo. Pois as Escrituras Sagradas dizem: “Eu me vingarei, eu acertarei contas com eles, diz o Senhor.

Já que a proposta foi queimar um livro considerado Sagrado por eles, permitam-me literalmente citar mais textos da Bíblia: “Tomem cuidado para que ninguém pague o mal com o mal. Pelo contrário, procurem em todas as ocasiões fazer o bem uns aos outros e também aos que não são irmãos na fé". (1 Ts 5.15). E ainda: “Não paguem ofensa com ofensa. Pelo contrário, paguem a ofensa com uma bênção porque, quando Deus os chamou, ele prometeu dar uma bênção a vocês" (1 Pe 3.9).

Tomara que o referido pastor pense um pouco mais e desista de tal proposta. Que ele “queime” seus neurônios refletindo no amor e na misericórdia daquele que morreu na cruz e suplicou que o Pai Celeste perdoasse os que lhe crucificaram. Pois é somente com os neurônios queimados e com os corações aquecidos pelas chamas do amor que vem do Espírito Santo, que poderemos agir e reagir com a mente e o coração de Cristo.

Então a justiça e a paz se beijarão (Salmo 85.10).

Pastor Ismar Pinz
Comunidade Cristo Redentor
Três Vendas – Pelotas, RS

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Lições no Iraque

Quando os Estados Unidos invadiram o Iraque em 2003, busquei na parábola do joio a sabedoria de Jesus para dizer que George Bush cometia um grande erro. Foi no artigo “o joio e a guerra”, editado no Diário Popular de Pelotas. Na famosa história, os empregados perguntam ao patrão: “O senhor quer que arranquemos o joio?” A resposta vem logo: “Não, porque quando vocês forem tirar o joio, poderão arrancar também o trigo” (Mateus 13.29). Sete anos depois os soldados americanos deixam o Iraque, e nas areias do deserto, o trigo queimado junto ao joio – a vida ceifada de 100 mil civis, 13 mil soldados iraquianos, 4 mil e 446 soldados americanos, além de 40 mil feridos e um rastro de destruição e de incertezas.

Vejo algo semelhante acontecendo no âmbito religioso, numa guerra entre a moralidade e a imoralidade, entre a justiça e a iniquidade. Em meio às ameaças, o grande perigo é invadir o território do outro com armas humanas e truculentas. Igual à espada de Pedro que arranca a orelha do soldado. “Você não sabe que, se eu pedisse ajuda ao meu Pai, ele me mandaria agora mesmo doze exércitos de anjos?” (Mateus 26.53). As palavras do Senhor deveriam acalmar a ânimo dos discípulos, que, no anseio de resguardar a ordem moral, podem desprezar o poder do Evangelho. A grande missão da igreja sempre foi evangelizar, e não moralizar. Diante disto, a parábola mereceu explicação de quem a proferiu: “Quem semeia a boa semente é o Filho do Homem. O terreno é o mundo. A boa semente são as pessoas que pertencem ao Reino, e o joio, as que pertencem a Satanás. O inimigo que semeia o joio é o próprio Diabo. A colheita é o fim dos tempos, e os que fazem a colheita são os anjos” (Mateus 13.37-39). Portanto, basta ao discípulo ser a boa semente. Que germine, cresça e frutifique. E a colheita? Esta será feita pelos anjos...

Separar o joio do trigo antes da hora é colher a injustiça no lugar da justiça, o ódio no lugar do amor, a lei no lugar do evangelho. É uma volta parecida com a dos soldados americanos.

Marcos Schmidt
Pastor luterano
Igreja Evangélica Luterana do Brasil
Comunidade São Paulo, Novo Hamburgo, RS