quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Fio de ouro

Dilma ou Serra? Independente do resultado neste domingo, as Escrituras afirmam que “nenhuma autoridade existe sem a permissão de Deus” (Romanos 13.1). Isto é questão de fé, logicamente. Uma confiança que afirma que em Deus “vivemos, nos movemos e existimos” (Atos 17.28); uma certeza que sustenta a insignificante contabilidade divina dos fios de cabelos da cabeça, que não caem sem a permissão do Criador". (Lucas 21.18).

Desde aquele dia quando Deus criou os céus e a terra (Gênesis 1.1), há outro fio, invisível, de “ouro”, que segue pelos tempos e atravessa a história humana, e que, mesmo sem a maioria perceber, rege o mundo, governos e pessoas. E se o Rei dos reis foi o “santinho” em destaque nesta corrida presidencial, mesmo depois descartado junto aos restos de campanha, ainda continuará mexendo os pauzinhos. Aliás, isto a gente sempre faz – só lembra de Deus na hora que precisa e depois...

Em todo o caso, governos, por melhores ou piores, deste ou daquele partido, são a mão de Deus, necessários para a ordem e sobrevivência. Pais, mães, patrões, chefes, professores, policiais, enfim, por melhores ou piores, qualquer função existe “porque as autoridades estão a serviço de Deus para o bem” das pessoas (Rm 13.4). O que seria deste planetinha azul sem o comando no lar, na empresa, na escola, no país? Especialmente através do poder público Deus protege e sustenta a família, a vida, a propriedade, a honra e a dignidade do povo, preservando a ordem e a disciplina. Não é por menos a recomendação: “Por isso você deve obedecer às autoridades, não somente por causa do castigo de Deus, mas também porque a sua consciência manda que você faça isso." (Rm 13.5).

Esta certeza – de que este Deus que amou o mundo de tal maneira e que tem o domínio total nas pequenas e grandes coisas – tranquiliza o coração daqueles que dão a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Uma certeza que também faz agir na oração “pelos reis e por todos os outros que têm autoridade, para que possamos viver uma vida calma e pacífica, com dedicação a Deus e respeito aos outros” (1 Timóteo 2.2).

Marcos Schmidt
Pastor luterano
Igreja Evangélica Luterana do Brasil
Comunidade São Paulo, Novo Hamburgo, RS

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Mistura indigesta

A história tem mostrado que misturar religião e política não traz coisa boa. Exemplos não faltam. No próximo 31 de outubro, junto à urna eletrônica, seria oportuno dar um voto de confiança aos conselhos de Lutero. Foi neste dia, em 1517, que ele chamou os seus adversários para um debate público sobre a prática das indulgências – um fraudulento negócio com o perdão de Cristo parecido com a venda do voto. É o início da Reforma Luterana, movimento que traz mudanças globais no cenário político e religioso e a própria separação entre igreja e estado.

Lutero e o povo alemão não tinham o direito de escolher seus governantes – viviam sob o regime imperial. Mas, cumprindo o seu dever pastoral, aconselhou os príncipes a não se intrometerem em assuntos espirituais e os sacerdotes em questões da administração política. Há dois escritos básicos dele, o Magnificat (1521) e Da Autoridade Secular (1523), que expõem com sabedoria uma ética que falta no atual contexto brasileiro. Lembra que é preciso “distinguir cuidadosamente os dois regimes de Deus e deixá-los vigorar – um que torna cristão, o outro que garante a paz civil e combate as obras más”. Ao questionar: “Que são, pois, os sacerdotes e bispos?”, responde: “Seu regime não é de autoridade ou poder, mas de serviço e função”. Já o estado “não pode estender-se ao céu e sobre a alma, mas somente sobre a terra – o convívio dos seres humanos”. Onde existe mistura, o resultado será a ruína do convívio das pessoas, alerta o reformador.

Neste princípio, os estatutos de minha instituição religiosa são claros: “Em obediência ao princípio bíblico da separação entre Igreja e Estado, tanto a IELB (Igreja Evangélica Luterana do Brasil) como as congregações não se envolverão em questões de política partidária”. Por isso o código de ética do pastor em exercício: “Mesmo que deva estar atento aos problemas da sociedade, não quero, enquanto pastor, exercer política partidária”. Isto não sugere omissão e passividade política, mesmo porque, se no pensamento de Lutero “política é o esforço constante e paciente para estabelecer e manter uma ordem social compatível com os valores do cristianismo”, isto só acontece no exercício cristão da cidadania política.

Marcos Schmidt
Pastor luterano
Igreja Evangélica Luterana do Brasil
Comunidade São Paulo, Novo Hamburgo, RS

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

São José – da mina e do Herval

Qual a relação da história dos 33 mineiros soterrados no Chile com a do gaúcho milionário da Mega Sena? Não é só nome São José! Enquanto os chilenos finalmente são libertos da mina de ouro, o brasileiro agora está soterrado sob o peso de milhões em dinheiro. Alguém deve estar pensado: “Este pastor é mesmo bobo”. Concordo! Quem não sonha em ficar rico, viajar mundo afora, ter uma casa com tudo o que tem direito, viver do bom e do melhor. No entanto, afortunado assim não poderia continuar fazendo o que faço, a não ser que inventasse uma mega igreja da prosperidade. Seria um sucesso. Mas daí teria que enterrar toda a minha teologia.

O novo milionário já descobriu a profundidade do seu tesouro. Está comprando imóveis e veículos à vista para trazer os parentes a Porto Alegre e fugir dos vizinhos e amigos. Ele teme os assédios, assaltos e sequestros. Perdeu a tranquilidade. Já os 33 mineiros podem ficar sossegados. Os parentes, amigos, o Chile inteiro, ninguém está interessado no dinheiro deles. Só querem se aproximar para um abraço. Por isto a contradição das euforias – a festa em São José do Herval e a festa na mina de San José. Uma traz um mundo de cobiça, afasta parentes e amigos; a outra devolve o convívio e o carinho dos parentes e amigos.

A gente passa a vida toda sonhando com coisas extraordinárias e gasta boa parte do tempo em busca de uma sorte grande, e esquece que tem nas mãos um tesouro ao céu aberto. Por outro lado, o que adianta ter uma mina de ouro, se ela prende e sufoca? O Senhor Jesus já alertou: “Arranjem bolsas que não se estragam e guardem as suas riquezas no céu, onde elas nunca se acabarão; porque lá os ladrões não podem roubá-las, e as traças não podem destruí-las. Pois onde estiverem as suas riquezas, aí estará o coração de vocês” (Lucas 12.33,34).

E pensando mais, se a previsão do resgate dos mineiros era só para o Natal, então isto tem outra relação. É um presente adiantado que aponta para a história do José em pessoa, ou melhor, para o enteado dele – o próprio Deus e dono de todas as minas, que nasceu e viveu na pobreza desta terra a fim de nos resgatar de um buraco sem fim.

Marcos Schmidt
Pastor luterano
Igreja Evangélica Luterana do Brasil
Comunidade São Paulo, Novo Hamburgo, RS