quarta-feira, 30 de junho de 2010

Jogo decisivo

“Devemos nos esforçar pela excelência da Copa do Mundo, e ao mesmo tempo, garantir que ela deixe benefícios para todo o povo”. São palavras de Nelson Mandela, que passou quase um terço da vida atrás das grades sob o regime racista do apartheid, e que hoje, aos 92 anos, ainda é considerado a pedra fundamental para a paz entre brancos e negros sul-africanos. Dono das virtudes do perdão e da reconciliação, a exemplo de José – o famoso personagem bíblico vendido pelos irmãos como escravo – Mandela seguiu pelo mesmo caminho depois da prisão ao tornar-se chefe da nação. Quem conhece a história bíblica, no entanto, lembra que o novo faraó do Egito “não sabia nada a respeito de José” (Êxodo 1.8), e os efeitos desta amnésia foi o apartheid no Egito. Mandela sabe deste perigo, e por isto outra frase dele: “Que a recompensa trazida pela Copa do Mundo prove que a longa espera pela liberdade em solo africano valeu à pena”.

E se as palavras deste líder africano têm respaldo na própria vida, valem também estas: "Não há caminho fácil para a liberdade”. Lembro aqui de outra figura bíblica, Paulo, que também esteve na prisão e marcou um dos gols mais bonitos no gramado das Escrituras: “Cristo nos libertou para que sejamos realmente pessoas livres. Por isto, continuemos firmes como pessoas livres e não se tornem novamente escravos” (Gálatas 5.1). Essa epístola tem um recado sobre o perigo de “outro evangelho” (1.7), crença baseada na justiça e regras humanas, e que coloca Cristo para escanteio. E por isto gera confusão no meio de campo: inimizades, brigas, ciumeiras, acessos de raiva, ambição egoísta, desunião, divisões (5.20).

Mandela joga na prorrogação de uma partida decisiva, e a Copa do Mundo pode coroar a vitória da liberdade política, conquistada com sacrifício. No entanto, educado no cristianismo e assistido por capelães religiosos nos tempos de presídio, aprendeu que a escravidão está mesmo no coração e não numa cela. Isto porque “não existe diferença entre escravos e pessoas livres, entre homens e mulheres: todos são um só por estarem unidos com Cristo Jesus” (Gálatas 3.28). Este é o maior benefício que alguém pode receber neste mundo injusto e segregado.

Marcos Schmidt
Pastor luterano
Igreja Evangélica Luterana do Brasil
Comunidade São Paulo, Novo Hamburgo, RS

quarta-feira, 23 de junho de 2010

A fogueira do João

No meio de fogueiras e futebol, João Batista é lembrado (e esquecido) neste 24 de junho, que conforme a tradição, nasceu 6 meses antes de Jesus. Foi um cara esquisito já nos padrões daquele tempo. Ermitão do deserto, com um roupão de couro de camelo, comendo gafanhotos, vuvuzelava às pessoas: “Arrependam-se dos seus pecados porque o reino do céu está perto” (Mateus 3). Teve um final melancólico – foi preso por falar o que não devia (na verdade, o que as pessoas não queriam ouvir) e decapitado, com a cabeça numa bandeja. Tudo pelos caprichos de um rei que também perdeu a cabeça, mas por uma dança sensual de Salomé (Mateus 14.11).

Estranho festejar a vida deste pobre coitado, vestindo-se de caipira e dançando quadrilha. Mas tem alguma coisa normal neste planeta? As contrariedades são as regras, as normalidades exceções. Por isto, seria uma vida decadente ao formato de sucesso, se Jesus não tivesse afirmado: “De todos os homens que nasceram, João Batista é o maior” (Mateus 11.11). “Ele é o cara”. Esta é a conclusão do Salvador. Com isto, João tem de volta a cabeça, a boca, a voz, a mensagem. A vida. E por quê? Porque ele preparou o caminho para passar aquele que disse: Eu sou a Vida. É que João Batista pregou o arrependimento dos pecados, a única estrada para o perdão que Jesus oferece na cruz.

Os problemas são os outdoors, as propagandas que surgem na viagem. E que convidam aos atalhos e caminhos alternativos. Algo parecido com a própria festa de São João. O objetivo dela é a reflexão. Nada contra os festejos, mas então, que fosse a Festa da Fogueira, ou coisa parecida. São as contrariedades. E assim a gente vive o dia-a-dia. Depois, quando termina a brincadeira, vem o que é sério. E daí não adianta dançar quadrilha, ou vestir a camiseta do time.

Também não adianta ser um João Batista. Foi Jesus quem disse: “Ele jejua e não bebe vinho, e todos dizem: está endemoniado. O Filho do Homem come e bebe vinho, e todos dizem: Vejam! Este homem é comilão e beberrão”. (Lucas 11.18). Por isto a conclusão do Salvador: não importa o que as pessoas falam, o que interessa é o resultado, o que a pessoa é. Algo difícil quando a gente vive de aparência e não de substância. Mas nada impossível enquanto o reino do céu ainda está perto.

Marcos Schmidt
pastor luterano
Igreja Evangélica Luterana do Brasil
Comunidade São Paulo, Novo Hamburgo, RS

Entre vitórias e derrotas

* Márlon Hüther Antunes


Em tempos de Copa do Mundo, o Brasil pára. Pessoas se unem numa só voz na torcida e amor pela seleção que representa a Pátria. No país do futebol, multidões, incluindo aqueles que não são grandes amantes do esporte, entram neste time. A cada vitória muitos fogos e comemoração. Ninguém quer pensar em derrotas. Um gol contra o time gera desconforto e reclamação, mas o jogo segue e nem sempre é sinônimo de derrota e fim da linha ou desclassificação.

Mas, enquanto alguns vibram, outros choram e não celebram as demais fases. A esperança ficou para a próxima vez. No jogo vitorioso do Brasil, no último domingo, dia 20, não foi diferente: grande parte da população se reuniu numa só “fé”. Porém muitos, no estado de Alagoas e Pernambuco, não viram o jogo da seleção. Não havia energia elétrica e os televisores, luxo de um passado recente, não funcionaram. A bola da vez não era a temida “jabulani”, mas os dribles para preservar o que para muitos foi uma vitória - a oportunidade de seguir mais uma fase – sobreviver. Na superação frente os estragos causados pela violência das águas, pessoas se uniram na solidariedade por outras milhares que choravam e ainda choram a tragédia que as enxurradas causaram para centenas de famílias, em dezenas de cidades. Amigos e anônimos empenharam-se para formar uma grande seleção, em prol de muitos, em nome de uma paixão maior que o futebol, o doar-se em favor do próximo.

Na vida, assim como no futebol, parece haver uma grande contradição: quando menos se espera, os favoritos amargam salgadas lágrimas e para recomeçar é necessário unir forças, levantar a cabeça. Foi assim que muitos nas cidades sem acesso obtiveram ajuda, olhando para cima, na esperança do conforto que chegou do alto - pelos helicópteros, com mantimentos e donativos, básicos para a vida. Assim também podemos olhar para cima louvando, como muitos jogadores fazem no momento da comemoração do gol, ou pedindo ajuda e confiando quando as nossas forças e limitações se esvaziam. “Deus é o nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente nas tribulações. Portanto, não temeremos ainda que a terra se transtorne e os montes se abalem no seio dos mares; ainda que as águas tumultuem e espumejem e na sua fúria” (Salmo 46.1-3).

Deus em todos os tempos cuida das pessoas com um grande time, liderado por seu Filho Jesus, sinônimo de doação e providência pela vida, não só diária, mas eterna. Portanto, mesmo que soframos os gols contra, seguimos na certeza de que em Cristo, “somos mais que vencedores” (Romanos 8.37). Entre vitórias e derrotas, este Deus que parece tantas vezes contraditório, nos garante que nosso maior oponente - a morte – já foi vencido. É o apito do juiz. É a esperança que vem do alto!

* É Teólogo e Pastor da Igreja Luterana de Maceió - AL

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Hora do silêncio, hora do barulho

O barulho das “vuvuzelas” me incomoda já faz tempo. Tenho um zumbido nos ouvidos, um chiado constante e perturbador. Dizem que 17% dos brasileiros sofrem deste mal. Meu desafio é fazer igual a um alemão que encontrou a fórmula para "filtrar" o incômodo zunido das cornetas africanas, que chega aos ouvidos do mundo inteiro pela televisão. Ele desenvolveu um programa de computador que deixa a transmissão livre do barulho. No meu caso, o “filtro” é não pensar na zoeira que vem de dentro da cabeça.

Parece que o único jeito nesta sociedade do barulho é se acostumar com o barulho. Vivemos a cultura das “vuvuzelas”. Tem saída? A Fifa diz que não. Permitiu as cornetas nos estádios porque fazem parte da cultura local. Este é o nosso problema. Nos acostumamos com as loucuras que chamamos de cultura. E daí, o único jeito é inventar “filtros”. Mas já disse o Sábio que tudo neste mundo tem a ocasião certa – tempo de ficar calado e tempo de falar (Eclesiastes 3.7). Só que hoje não encontramos mais o tempo do “ficar calado”. Se não é o barulho que vem da rua, é o ruído constante dentro de casa vindo da televisão. E assim falta o saudável silêncio para a conversa com os outros e a conversa com Deus. Silêncio para a leitura, reflexão, meditação, oração. Coisa que o Senhor Jesus recomendou: vá para o silêncio do seu quarto, feche a porta e ore ao seu Pai (Mateus 6.6). E se até no céu houve silêncio após os gritos de louvores a Deus (Apocalipse 8.1), então, mais do que nunca, precisamos aqui em baixo de uma pausa para as vuvuzelas.

O próprio Filho de Deus foi um “mistério guardado em silêncio nos tempos eternos”, explica o apóstolo (Romanos 16.25). Uma quietude divina do Antigo Testamento antes da revelação de Jesus, rompida pelo coro dos anjos na noite de Belém (Lucas 2.14). E se o Salvador morreu igual a uma ovelha muda, sem abrir a boca (Isaías 53.7), prometeu que um dia voltará em meio às vuvuzelas celestiais (Mateus 24.31). Por isto a oração: “Ó Deus, não fiques em silêncio! Não te cales” (Salmo 83.1). Mas também a ordem: “Que todos se calem na presença de Deus, o Senhor, pois ele vem do seu lugar santo para morar com o seu povo” (Zacarias 2.13). Por isto, feliz aquele que sabe a hora do barulho e respeita a hora do silêncio.

Marcos Schmidt
Pastor luterano
marsch@terra.com.br
Igreja Evangélica Luterana do Brasil
Comunidade São Paulo, Novo Hamburgo, RS