quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Mundo hospício

Qualquer coisa pode virar doença compulsiva. Por exemplo, este famoso médico de fertilização acusado de estupro. Abusou a primeira vez, depois a segunda e nunca mais parou com suas perversões. Algo parecido na política onde a tara é a mentira e os violentados são o povo. Mentem uma vez, depois outra e mais outra, e no final vira obsessão. Este tipo de doença a gente vê na política, nas profissões, na religião. E pensando bem, ninguém escapa, porque de louco todos têm um pouco. São as fraquezas de cada um que Freud não explica. Na verdade, a constante luta que qualquer ser humano enfrenta é manter este maníaco bem acorrentando dentro de si. Uma batalha cada vez mais difícil numa sociedade onde “tudo está liberado” e os valores morais viraram chacota.

E se agora estamos tão preocupados com bactérias, vírus e outros bichinhos que andam por aí nas maçanetas, carrinhos de supermercados, nos recintos fechados, é preciso se dar conta que existe coisa mais letal e que álcool gel não resolve. Aliás, se a recomendação é lavar bem as mãos, o costume é dos tempos bíblicos e ajudou os judeus contra doenças da época. Só que virou obsessão compulsiva religiosa, e por isto duramente criticada por Jesus. Escreve o evangelista que os fariseus e os mestres da Lei ficaram de cabelo em pé quando viram os discípulos do Mestre comer com mãos impuras. O Salvador não deixou por menos: “Hipócritas (...) Tudo o que vem de fora e entra numa pessoa não faz com que ela fique impura, mas o que sai de dentro (...) Porque é de dentro, isto é, do coração que vêm os maus pensamentos, a imoralidade sexual, os roubos, os crimes de morte, os adultérios, a avareza, as maldades, as mentiras, as imoralidades, a inveja, a calúnia, o orgulho, e o falar e agir sem pensar nas conseqüências” (Marcos 7.1-21).

Ao perceber que muita gente não tinha controle de seus atos e vivia totalmente entregue aos vícios (Efésios 4.19), o apóstolo recomendou um remédio eficaz: “É preciso que o coração e a mente de vocês sejam completamente renovados. Vistam-se com a nova natureza criada por Deus” (Efésios 4.23,24). Paulo fala de experiência própria ao confessar: “Eu era tão fanático que persegui a igreja” (Filipenses 3.6). Ele havia transformado a religião numa obsessão e por isto precisou jogar tudo fora para “poder ganhar a Cristo” (Filipenses 3.8) e ter uma mente sadia.

Neste mundo hospício onde é fácil ficar louco, vale a recomendação: “Encham a mente de vocês com tudo o que é bom e merece elogios, isto é, tudo o que é verdadeiro, digno, correto, puro, agradável e decente” (Filipenses 4.8).

Marcos Schmidt
pastor luterano
marsch@terra.com.br
Igreja Evangélica Luterana do Brasil
Comunidade São Paulo, Novo Hamburgo, RS

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Lobos e lobistas

A exploração da fé religiosa sempre foi um mercado lucrativo. A forma é parecida com o que acontece na política: troca-troca de favores. No caso da religião cristã, a transação é entre a criatura e o Criador, e no meio os lobistas (não os que fazem lobby, mas os lobos de quem Jesus falou). Um covil que tem nome e endereço. Mas, assim como em qualquer alcatéia onde a disputa pelo território é voraz e marcada pela urina, lobos vão e lobos vêm. A novidade é que eles têm proliferado nos últimos tempos e vêm atacando não só os apriscos eclesiásticos, mas também os campos seculares. E isto tem despertado a fúria dos fazendeiros.

Lembro-me de dois abigeatos quando trabalhei em Pelotas. Após escrever uma série de artigos no jornal da cidade sobre a Teologia da Prosperidade, um renomado vereador me telefonou pedindo ajuda. Ele não sabia mais o que fazer com a sua esposa que era ludibriada por promessas em troca de dinheiro. A gota d’água foi a “visão” do pastor: ela precisava doar 10 mil reais para ser abençoada e ficar livre do mal. No meu gabinete conversei com esta mulher que parecia perturbada e distante. Não tive mais conhecimento do destino do casal nem dos 10 mil reais. Algum tempo depois outro telefonema parecido, agora de um ex-líder da mesma igreja. Apareceu duas vezes no meu escritório. Era um pequeno empresário e já tinha doado um carro e boa parte de seus bens à igreja. A vida dele continuava na desgraça, apesar das promessas de prosperidade. O que me marcou foi o lamento dele: “Eu sou fiel, cumpro tudo o que eles pedem. Por quê não sou abençoado?”

A maior heresia da Teologia da Prosperidade é a exigência da fidelidade humana para a obtenção das bênçãos divinas. O ensino bíblico é claro: “Todos pecaram e estão afastados da presença gloriosa de Deus. Mas, pela sua graça e sem exigir nada, Deus aceita todos por meio de Cristo Jesus, que os salva” (Romanos 3.23,24). Mas o que fazem estes mercadores? Usam trechos da Bíblia como lhes convêm e anunciam um deus toma-lá-dá-cá. Uma fraude praticada pelo próprio Diabo quando citou a Bíblia para tentar Jesus no deserto.

O Salvador que foi negociado por trinta moedas de prata alertou: “Eu sou o bom pastor; o bom pastor dá a vida pelas ovelhas. Um empregado trabalha somente por dinheiro; ele não é pastor, e as ovelhas não são dele” (João 10.11,12). Sem dúvida, quando os dentes e as garras dos lobos crescem na mesma proporção do poder da mídia, todo o cuidado é pouco.

Marcos Schmidt
Pastor luterano
marsch@terra.com.br
Igreja Evangélica Luterana do Brasil
Comunidade São Paulo, Novo Hamburgo, RS

terça-feira, 18 de agosto de 2009

QUE DEUS É ESSE?

Em nome de deus já fizeram coisas que “até Deus duvida!” E por incrível que pareça, continuam fazendo! Pergunto-me: que deus é esse? Sim; que deus é esse, que vende milagres sem dar recibo? Que recebe o dízimo e dá diploma de dizimista assinado por Jesus (acredite – até isso já apareceu). Que deus é esse, que deixou de receber ofertas sobre o altar como forma de gratidão e agora envia boletos bancários? Pague seu boleto no banco e receba a sua bênção em casa. É isso?

Que deus é esse, que parece estar sentado em sua cadeira real jogando com a miséria alheia? Que pede ao pobre que venda o que de mais valioso ele tem em sua casa e doe o dinheiro à determinada igreja? Que deus é esse, que tudo pode, mas nada faz sem troca de favores? Que deus é esse que “controla” a vida das pessoas como se fossem marionetes? Que se esconde atrás de desejos de homens que se auto-intitulam seus representantes legais e enriquecem a custas da ingenuidade alheia. Que promete que tudo vai dar certo, e se não deu, a culpa é sua que não teve fé.

Que deus é este? Francamente, se deus é assim o diabo já não me parece mais tão ruim.
Sou pastor – não por méritos, mas por misericórdia de Deus. E desde muito antes de ser pastor, sou cristão convicto; e como tal, acredito firmemente que tudo o que sou e tenho, serei e terei, devo ao meu Deus. Mas este deus descrito acima, e apregoado por muitos, definitivamente não é o meu Deus! Muito menos o Deus da Bíblia, embora homens usem o livro sagrado para proclamar este deus. Um deus cruel que age de acordo com interesses humanos e responde apenas aos anseios de uma pequena parcela privilegiada, que descobriu como agradar a este deus; ou, como engabelar o povo.
Não. Definitivamente este não é o meu Deus. Porque este deus de fato não existe. Foi inventado por homens para atender a interesses pessoais e infelizmente, tem levado um número enorme de pessoas a ignorar o verdadeiro Deus que é bem diferente.

Talvez seja por isso que, quando Moisés pediu a Deus como deveria apresentá-lo para as pessoas, Ele se limitou a dizer: EU SOU QUEM SOU (Êxodo 3.14). Sim, Ele é exatamente quem Ele é. Não quem dizem que Ele é; não quem pensam que Ele é. Diferente do deus inventado e apregoado pelos homens, o verdadeiro Deus ofereceu sua ajuda, amor e compaixão, quando ainda sequer tínhamos algo de bom a oferecer (1 João 4.10). E continua a fazê-lo de Graça!
Este é o Deus da Bíblia. Ele não se limitou a ficar sentado em seu trono celestial, aceitando barganhas em troca de favores. Ele se fez um ser humano; e em vez de sacrifícios, a única coisa que e Ele quer é um coração crente e agradecido (Gálatas 2.8,9). Enquanto o deus dos homens espera que eles cheguem até sua presença, o Deus verdadeiro vem aos homens e os ama a ponto de dar sua vida por eles (João 3.16). Por amor e de Graça!

Este é o Deus da Bíblia. O meu Deus. O nosso Deus. Um Deus que não se esconde atrás de regras tolas e poções milagrosas. Deus não quer pessoas alienadas, reféns de interesses de homens. Ele deseja sim que todos os homens (de todas as classes, raças e nações) conheçam a verdade e sejam livres e felizes (João 8.32).

Ernani Kufeld
Teólogo e pastor da Igreja Luterana de Aracaju
ekufeld@gmail.com

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Cara do pai

Também existe o trauma de pai. O trauma de mãe é assunto complicado, resultado do cordão umbilical rompido, coisas de mulher. Mas o problema do pai é bem fácil de explicar: é a dor pelo fim do monopólio das atenções agora dirigidas ao rebento. Penso que o filho, sobretudo o primogênito, é um soldado que surge do cavalo de Tróia, presente de grego. Grande tragédia se não fosse outro sentimento inexplicável que surge em cena: o amor paternal – força instintiva que defende o filho com unhas e dentes. Porque no fim das contas este pequeno “inimigo” é ele mesmo, ou como lhe disseram: “É a tua cara”. E assim, enquanto a mulher é carne e ossos do marido (Gênesis 2.24), o filho é carne e ossos moldados na forma do pai. (Alguns não se curam deste trauma e se voltam contra os filhos, histórias que a gente conhece).
Mas este é só o primeiro trauma. Aquele pai, herói, grande, forte, não demora, fica pequeno, fraco, exposto à realidade. E se hoje os filhos estão maiores que os pais, não é somente no aspecto físico, mas pelo tamanho dos inimigos deles. É a voraz crueldade da sobrevivência, do mundo selvagem repleto de predadores. Desemprego, violência, drogas, trânsito – tubarões que tentam engolir os filhos, frágeis presas neste mar de pais procurando Nemo.

E se a luta fosse meramente física, se os filhos fossem apenas moldes de carne e osso, então bastaria o empenho por um bom colégio, plano de saúde, boa companhia, Tamiflu, coisas deste gênero. Mas eles carregam outro molde, uma cara espiritual dos genitores. Uma herança maldita. No princípio era a cara de Deus (Gênesis 1.27). Mas depois veio a imagem dos homens (Gênesis 5.3), isto é, o pecado. Por isto a constatação: “Não estamos lutando contra seres humanos, mas contra as forças espirituais do mal” (Efésios 6.12).

Um trauma incurável e eterno caso não existisse o Pai nosso que está nos céus. “Vocês são filhos queridos de Deus e por isso devem ser como ele. Que a vida de vocês seja dominada pelo amor” (Efésios 5.1,2). Amor que domina? Sim, mas um domínio para o bem. Amor que é fruto da união com aquele que deu a vida (Efésios 2.5). Poder para ser novamente parecido com o Criador. E assim seguir a recomendação: “Pais, não tratem os seus filhos de um jeito que faça com que eles fiquem irritados. Pelo contrário, vocês devem criá-los com a disciplina e os ensinamentos cristãos” (Efésios 6.4).

Sábado passado assisti pela televisão uma chocante cena vinda de São Paulo: um pai com uma arma apontada para a própria cabeça, e o filho de onze anos suplicando que desistisse da idéia. A cena durou 15 horas e com final feliz. Mas este filho carregará para sempre o pesadelo deste dia. Histórias deste tipo estão por toda a parte. Pais atormentados, desequilibrados, traumatizados... Saída existe, não com uma arma na cabeça ou outro escape egoísta e trágico. O caminho é parecido com aquilo que ajudou Felipe Massa: “Recebam a salvação como capacete” (Efésios 6.17). Pai com tal proteção está curado e pronto para dirigir a família.

Marcos Schmidt
Pastor luterano
marsch@terra.com.br
Igreja Evangélica Luterana do Brasil
Comunidade São Paulo, Novo Hamburgo, RS