quarta-feira, 16 de julho de 2008

ALGEMAS DOURADAS

O “prende e solta” do bilionário Daniel Dantas me fez lembrar a Epístola de Tiago (2.1-4): “Nunca tratem as pessoas de modo diferente por causa da aparência delas. Por exemplo, entra na reunião de vocês um homem com anéis de ouro e bem vestido, e entra também outro, pobre e vestindo roupas velhas. Digamos que vocês tratam melhor o que está bem vestido e dizem: ‘Este é o melhor lugar; sente-se aqui’, mas dizem ao pobre: ‘Fique de pé’ ou ‘Sente-se aí no chão, perto dos meus pés’. Neste caso vocês estão fazendo diferença entre vocês mesmos e estão se baseando em maus motivos para julgar o valor dos outros”.
Se isto é comum dentro da própria igreja, não é nenhuma surpresa o que acontece nesta sociedade que julga pressionada pelos cifrões. Por exemplo, metade dos presos no Brasil espera decisão semelhante a esta que Dantas recebeu do presidente do Supremo Tribunal Federal. Por que um banqueiro em menos de cinco horas é libertado e um “ladrão de galinha” apodrece na cadeia por meses esperando julgamento? E o lamentável é que tal parcialidade em tratar com deferência ricos e pobres é uma peste que atinge todos, crentes e descrentes. Os vigaristas sabem disto. Apresentam-se bem trajados e enganam empresários inteligentes, mulheres carentes, aposentados desavisados. Histórias não faltam! Por que? Porque as aparências enganam.
Isto é coisa antiga. Já percebia o Sábio da Bíblia: Neste mundo eu também reparei o seguinte: no lugar onde deviam estar a justiça e o direito, o que a gente encontra é a maldade (Eclesiastes 3.16). Por isto o irônico conselho (que o delegado que prendeu Dantas não ouviu): Não critique o homem rico nem mesmo dentro do seu próprio quarto, pois um passarinho poderia ir contar a eles o que você disse (Eclesiastes 10.20). E por isto também a hipócrita realidade: Os ricos arranjam muitos amigos, mas o pobre não consegue nem conservar os poucos que tem (...) Se o pobre é desprezado até pelos seus próprios irmãos, não é de admirar que os seus amigos se afastem dele (Provérbios 19.4, 7).
Evidentemente que ser rico não é nenhum pecado. O erro é a idolatria, a cobiça. É a origem iníqua da fortuna – algo corriqueiro em nosso país. É o tratamento desigual entre os que têm e os que não têm. Ou a insensibilidade dos ricos honestos para com o infortúnio dos miseráveis. O erro é a própria disparidade social da concentração de renda, ou seja, ricos aviltantemente ricos e pobres miseravelmente pobres. Por isto a condenação do profeta já naquela época: Vocês maltratam as pessoas honestas, aceitam dinheiro para torcer a justiça e não respeitam os direitos dos pobres. Não admira que num tempo mau como este as pessoas que têm juízo fiquem de boca fechada (...) Façam com que os direitos de todos sejam respeitados nos tribunais. Talvez o Senhor, o Deus Todo-Poderoso tenha compaixão das pessoas do seu povo que escaparem da destruição (Amós 5.12-15).
O evangelista conta que o abonado e desonesto Zaqueu, depois de arrepender-se e crer no Filho de Deus, fez uma promessa: Eu vou dar a metade dos meus bens aos pobres. E, se roubei alguém, vou devolver quatro vezes mais (Lucas 19.8). Imaginem se a metade dos milionários desonestos deste país seguisse o exemplo de Zaqueu? Estaria resolvida grande parte da corrupção e da pobreza nesta terra das algemas douradas.


Marcos Schmidt
marsch@terra.com.br
pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil
Comunidade São Paulo
Novo Hamburgo, RS

sexta-feira, 4 de julho de 2008

O INTOLERANTE BAFÔMETRO

O tempo vai dizer se a incompassível lei de trânsito contra a bebida é boa ou não. Num país embriagado por coquetéis de legislações, pode ser outra regra cambaleante sob os efeitos sonolentos de uma fiscalização ineficiente. O assunto é polêmico, e também tem implicância no terreno religioso. Afinal, enquanto denominações já condicionam tolerância zero no uso da bebida alcoólica em qualquer situação, outras toleram liberdade no caminho da moderação. É o caso da minha igreja que não julga o uso responsável de bebida alcoólica, e que até oferece vinho na Santa Ceia. Aliás, aqui começa um problema para nós, cristãos luteranos, porque aquele pequeno gole que ingerimos na comunhão eucarística do altar já pode causar um terrível transtorno lá fora, caso formos abordados numa ação policial com bafômetro. Em todo o caso, se é para acabar com os “bebuns” do volante e reduzir a carnificina nas estradas, que seja bem-vinda tal “lei seca”. Os dados confirmam que o álcool, além de causar um prejuízo anual de 70 bilhões de reais ao país no tratamento de doenças, acidentes de trânsito, violência, ausência no trabalho etc, é culpado por quase a metade dos acidentes de trânsito.
No tempo bíblico em que carros eram puxados sob o bafo dos cavalos, o exagero na bebida provocava “mortes” no próprio culto cristão. Conforme costume da igreja primitiva, a Santa Ceia acontecia numa confraternização com comida e bebida. No entanto, Paulo escreve para a congregação de Corinto: Nas instruções que agora vou dar a vocês, eu não posso elogiá-los... Quando se reúnem, não é a Ceia do Senhor que vocês comem... Enquanto uns ficam com fome, outros chegam até a ficar bêbados... e alguns já morreram (1 Coríntios 11). O texto registra as imprudências: embriaguês, brigas, falta de amor, egoísmo. Em sinal de alerta, o apóstolo aponta para os danos: Pois a pessoa que comer do pão e beber do cálice sem reconhecer que se trata do corpo do Senhor, estará sendo julgada ao comer e beber para o seu próprio castigo (1 Coríntios 11.29).
Tolerância zero, infração e castigo são palavras que também surgem quando o assunto é a lei de Deus. Não existe retorno, o único caminho é seguir reto. Sejam perfeitos, diz Jesus, assim como é perfeito o Pai de vocês que está no céu (Mateus 5.48). Quem quebra um só mandamento da lei é culpado de quebrar todos, lembra Tiago (2.10). Por isto, no teste do bafômetro divino, ninguém escapa: Não há ninguém que faça o bem, não há ninguém mesmo (Romanos 3.12). Seria o precipício sem a ponte se não fosse o supremo tribunal divino intervir e fazer Cristo soprar o bafômetro no lugar dos transgressores. É o Evangelho – a boa nova. Ou como diz a Bíblia: Mas, pela sua graça e sem exigir nada, Deus aceita todos por meio de Cristo Jesus, que os salva (Romanos 3.24).
Na verdade, em âmbito espiritual, segue-se no caminho da Lei com tolerância zero, ou no caminho de Cristo. Eu optei por este que me dá livre arbitro, consciência tranqüila e responsabilidade. E mesmo quando ninguém tem o direito de me julgar por causa de comida ou bebida (Colossenses 2.16), em outra via, sei que todas as coisas são lícitas, mas nem todas convêm (1 Coríntios 10.23). Já no âmbito desta nova lei de trânsito, é o bafômetro que vai dizer se estou livre para seguir no volante.

Marcos Schmidt
marsch@terra.com.br
pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil
Comunidade São Paulo
Novo Hamburgo, RS